Diário da Manhã

segunda, 29 de abril de 2024

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ENSINO RELIGIOSO: Tolerância, valores e direitos humanos

16 outubro
17:55 2014

Reconhecido legalmente como disciplina para o fundamental, o ensino religioso deve orientar à “cultura da paz”

Por Carlos Cogoy

Lair Vilagran, promotor Paulo Charqueiro, professora Carla Pertuzatti, “mãe” Gisa e Sandrali  CRÉDITO: Cogoy

Lair Vilagran, promotor Paulo Charqueiro, professora Carla Pertuzatti, “mãe” Gisa e Sandrali
CRÉDITO:
Cogoy

Ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) na Presidência da República, foi definido que nas cédulas do Real seria colocada a inscrição “Deus seja louvado”. A motivação foi agrado ao líder José Sarney – mantém-se há décadas com um dos principais articuladores da política “palaciana” em Brasília. O episódio foi mencionado pelo promotor Paulo Charqueiro, durante o 10º Seminário Regional de Ensino Religioso. Ele participou do painel “Ensino religioso e a legislação”,  que finalizou a programação do evento promovido pelo Conselho de Ensino Religioso (CONER), através da seccional vinculada a 5ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Professores de diferentes municípios da Zona Sul, prestigiaram o seminário que teve como apoiadores: Comitê Municipal de Diversidade Religiosa; promotoria da Educação;  Casa dos Conselhos; 5ª CRE; Secretaria Municipal de Justiça Social e Segurança.

CONTRADIÇÕES – Embora o CONER, presidido por Lair Ferreira Vilagran, esteja mobilizado para a reinserção do ensino religioso também no ensino médio, legalmente a disciplina está assegurada para os anos do fundamental. O promotor Charqueiro ressaltou que não há “ilegalidade”, quando a disciplina não é oferecida nos três anos do médio. Porém, observou que a escola deve ser espaço para estimular a “cultura da paz”. E salientou que “temos de defender a tolerância, possibilitando o respeito e boa convivência tanto daquele que tem fé, quanto de quem não acredita. Há casos graves de perseguição, como por exemplo à religiosidade afro no Rio de Janeiro, o que evidencia uma sociedade conflituosa”. Na realidade brasileira há inúmeras contradições em relação à religiosidade. E Charqueiro mencionou situações que contrastam com o perfil de Estado laico. A exemplo, a decisão ainda recente da retirada dos crucifixos das salas de audiência da magistratura. Há diferentes credos entre aqueles que frequentam áreas públicas do judiciário. Também citou casos nos quais as ações foram julgadas procedentes, que contestam mensagens colocadas à entrada de municípios. Entre as mais comuns: “Deus seja louvado”; “Jesus protege essa cidade”. Além disso, citou a responsabilidade dos formadores de opinião. O apresentador Datena e a rede Band de televisão, foram condenados pois o comunicador num programa, comentando acerca de homicídio, expressou “Esses assassinos só podem ser ateus, sem Deus no coração”. E o promotor acrescentou que a emissora de tevê é uma concessão pública, dispõe de autorização do Estado para o uso como meio de comunicação. Então o apresentador não pode ofender nem fazer apologia contra os ateus. “Se hoje não houver respeito aos ateus e agnósticos, amanhã minha seita é que poderá se ofendida”, analisou Charqueiro.

NÃO CONFESSIONAL – “O Estado resguarda a todos o mesmo direito. E está assegurado, conforme já avaliado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o ensino religioso não pode ser confessional. Em algumas regiões, com salários pagos pelos Estados, os professores foram indicados por entidades religiosas. Tal prática compromete a isenção pois o aluno, para livremente fazer a sua opção, tem de ser informado sobre todas as religiões bem como as posições dos ateus e agnósticos”, ressaltou o promotor público. Ele também lembrou acerca de período no qual, por conta de lei resultante do acordo entre o Brasil e a Santa Sé, havia a prerrogativa do ensino católico em detrimento de outras religiões. Há sistemas estaduais, observou Charqueiro, como São Paulo que, através da filosofia, sociologia e história, contribuem com a cultura da paz através da ênfase em questões como os direitos humanos. “A escola pode fomentar espaço ao diálogo, promovendo a solidariedade e amor ao próximo, pois ou nos salvamos ou afundamos todos juntos”, concluiu.

VALORES – Até 25 de junho de 2.015, municípios da região deverão oferecer o ensino religioso no fundamental. Pelotas, Capão do Leão e São Lourenço do Sul, tem agilizado os concursos e nomeações. Rio Grande, no entanto, ainda não divulgou edital para concurso específico. Com o incremento da demanda, necessidade de formação adequada. E a 5ª CRE tem oferecido curso de especialização. Observações da professora Carla Becker Pertuzatti que, junto à Coordenadoria, integra a equipe que ministra a formação. Segundo ela, o curso enfoca cinco eixos. 50% são para o eixo “ethos” que abrange os valores morais. Já a outra metade focaliza o “conhecimento de mundo”. E Carla abordou: “A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabelece a educação relacionada com a vida. E o ensino religioso não difere da amplitude de abordagens, necessária em áreas como a história. Então, por exemplo, quando é explanado ao aluno sobre os regimes políticos, no ensino religioso também é necessária a diversidade de manifestações, possibilitando o acesso à literatura. Com isso, facilitando que o alune faça parte desse mundo. São diferentes símbolos e ritos, e ninguém precisa brigar por causa disso”.

CONER sob a presidência de Lair Ferreira Vilagran, empenha-se pela valorização do ensino religioso. Ele comentou que, ao invés da promoção que tem à frente a 5ª CRE na Zona Sul, em outras regiões o ensino tem sido negligenciado.  A exemplo, aulas ministradas aos sábados à tarde, ou professores que, com o desmantelamento do setor que coordenava o ensino religioso para ensino médio, foram removidos para atividades como a “merenda escolar”. Vilagran é pastor e enfatizou o quanto o ensino religioso pode contribuir para a juventude à mercê do cotidiano de violência.

AFRO –  Espiritualidade afro representada pelas religiosas Gisa e Sandrali. Elas abordaram o Conselho Estadual do Povo de Terreiro, e salientaram que “não vemos nosso povo contemplado nas escolas”. Além disso, salientaram a dificuldade para a transmissão, em sala de aula, da religiosidade de matriz africana. “É preciso participar para transmitir corretamente. Nossa base é a filosofia ubuntu, cuja essência é a circularidade. Então, desafio ao professor que não tem entendimento acerca da religiosidade afro”. E mãe Gisa acrescentou: “Sou a segunda geração de ‘casa’ religiosa, e estamos no local há muito tempo. Mas recentemente, vizinho evangélico jogou pedra em nossa porta. Como nos conhecemos há bom tempo, conversamos com o pai do jovem, e houve entendimento para que fosse estabelecido o respeito necessário. O resultado é que, após as festas, sobras de comida são oferecidas à família. Além disso, o pai tem sido solidário e está ajudando a construir o ‘ilê’”.

ROUBO EPISTEMOLÓGICO – O Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro com maior número de casas de religião afro, e os terreiros mais antigos estão em Pelotas e Rio Grande. A religiosa Sandrali mencionou que o trabalhador negro escravizado, teve de esconder sua religiosidade. Com a igreja católica justificando que “não era pecado escravizar outros seres humanos”, os africanos tiveram seus “deuses satanizados”. Com isso, reportou-se ao conceito do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, e identificou como “roubo epistemológico” ao percurso histórico-cultural que destitui de dignidade a tradição africana. Assim, questionou tanto a escola pública quanto particular, como espaços de reprodução ideológica. E, em relação ao professor que eventualmente ministrará o saber afro, deixou a suspeita sobre a informação que não “está no seu âmago, como vivência e conhecimento profundo”. E criticou ao racismo e machismo como entraves à plena aplicação da lei federal 10.639, que estabelece o ensino da história e cultura afro. Como alerta, a postura do fundamentalismo “neopentecostal”, que tem reiterado o preconceito inclusive com violência.

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