FEIRA DO LIVRO : A genialidade da escritora negra Carolina de Jesus
Sexta às 19h, escritor Tom Farias autografará “Carolina, uma biografia”
Por Carlos Cogoy
Em agosto de 1960, contrariando as probabilidades, uma mulher negra e pobre publicou um livro que se tornaria antológico. E “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, da mineira Carolina Maria de Jesus, no dia do lançamento já bateu recorde de vendas. Durante um ano, a obra esteve na lista dos livros mais vendidos, à frente de autores como Clarice Lispector e Jorge Amado. Além do Brasil, o livro tornou-se best-seller em países como Japão, Alemanhas – à época, ocidental e oriental -, França, Itália, Estados Unidos, Argentina, Cuba e Espanha. A autora era chamada de “Machado de Assis de saia” ou “Shakespeare da cor”, e teve leitores como o presidente americano John Kennedy, e o escritor italiano Alberto Moravia. “Quarto de despejo” foi publicado em dezesseis idiomas, e lançado em 46 países. Mais recentemente, o livro foi uma das referências para o filme “Preciosa – uma história de esperança” de 2010. Apesar do sucesso literário, Carolina de Jesus amargou a discriminação e morreu quase esquecida. As afirmações são do pesquisador e escritor carioca Tom Farias que, sexta às 19h na Feira do Livro de Pelotas, estará autografando “Carolina, uma biografia”. A presença na cidade, diz o escritor, foi convite da Fundação Cultural Palmares.
GENIALIDADE – Colaborador do jornal O Globo, onde participa com críticas literárias, Tom Farias já publicou treze livros, e também escreve para teatro, cinema e televisão. A motivação pela história de Carolina, intensificou-se em 2014, ano do centenário da autora. À época, Tom foi curador de um evento comemorativo, e também republicou obras da escritora. Segundo ele, estima-se que a obra de Carolina já tenha vendido quase sete milhões de exemplares. Neste ano, a sua biografia é finalista do Prêmio Jabuti. Tom menciona sobre Carolina Maria de Jesus: “Ela possuía uma genialidade inata: a pouca escolaridade, os desafios de uma família, como ela dizia, ‘soldo da escravidão’, o fato de morar em condições adversas, ou de ser mulher e negra, a pobreza, tudo isso foi a base para a conquista dos seus ideias e objetivos. Mas, especialmente, como voz que precisa dizer para além da parede do barraco de madeira e zinco. Se fossem outras as condições sociais, educacionais e culturais de Carolina, ela daria o mesmo recado à sociedade, faria a ‘revolução’ que protagonizou, não só sendo a escritora que se tornou, mas sendo a mulher negra que se consolidou como elo de ligação e visibilidade de toda uma população marginalizada e esquecida no tal ‘quarto de despejo’”.
PESQUISA – O autor relata sobre o empenho para entender e narrar a história de Carolina: “Precisei entrar no mundo de Carolina para escrever sobre ela. Então, fui a Sacramento, onde ela nasceu em Minas Gerais, li mais de cem livros, teses e dissertações a respeito do seu trabalho, também perto de duas mil páginas dos seus manuscritos, e por volta de mil artigos de jornais, desde o final do século 19 até o ano de 2017, quando dei o ponto final ao trabalho. Também visitei cemitério, museus, cartórios, o bairro onde ela nasceu, a escola que estudou, e consultei com seus descendentes, entre os principais, os dois filhos: José Carlos, morto em 2016, e Vera Eunice. Ouvi estudiosos, pessoas que conviveram de perto com ela, como Audálio Dantas. Enfim, um mosaico de pessoas e documentos que me levaram a cinco Estados. Com base nisso, foi que pude ter condições de escrever sobre ela”.
DISCRIMINADA – Tom acrescenta: “Carolina ‘quebrou’ a espinha do cânone: ela se tornou uma potencialidade que tremeu a sociedade paulistana e brasileira. O seu discursou desconcertou os paradigmas estabelecidos, provocou um ‘cismo’ no status quo. Para a época, anos 1960, essa provocação não poderia ser tolerada, por isso sempre a pecha, a desqualificação, o desmerecimento: era antes a ‘escritora favelada’, era sim a ‘analfabeta’. Difícil era vê-la como escritora. E ainda hoje a academia torce o nariz para ela, não a compreende, e não faz qualquer esforço para a compreender. E Carolina, para além da linguagem, se insurgiu como atriz, pois representou no teatro. Como teatróloga deixou algumas peças, ainda inéditas. E como romancista publicou ‘Pedaços da Fome’ em 1963, e deixou outros romances inéditos como ‘Dr. Silvio’, ‘O Escravo’. Cantora e compositora, gravou um disco com músicas e arranjos próprios, cronista, mas essencialmente poeta. É uma produção invejável para quem tinha as piores condições de pensar e escrever, ou seja, com três filhos pequenos, vivendo de catar papel e ferro velho nas ruas de São Paulo, e enfrentando a dureza da favela do Canindé, onde tinha o seu ‘barracão’, como ela gostava de dizer”.