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segunda, 25 de novembro de 2024

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FILHOS DE TEREZA : Arte de resistência do cabelo ao movimento

FILHOS DE TEREZA : Arte de resistência do cabelo ao movimento
11 outubro
09:24 2016

Como base a história do racismo no Brasil, e as vivências do elenco. A Cia. Teatral Filhos de Tereza, em atividade há oito meses, reúne jovens atores negros. Trata-se de grupo de teatro preto independente, como diz Ingrid Duarte, riograndina que cursa a licenciatura em teatro na UFPel. Ela e o ator e produtor Everton Lima, que integravam a Cia. Aleatórios – direcionada a esquetes humorísticos -, reuniram-se para criar grupo com “atores negros falando de racismo”. Na trajetória, foram agregando amigos e surgiu o projeto “Tereza da Silva”. Fragmentos da montagem, têm sido apresentados em eventos. A estreia acontecerá no começo de novembro, provavelmente no Clube Cultural Fica Ahí. No elenco também estão os pelotenses Tatiana “Cuba” Duarte, Andreza Mattos e Junior Mattos, moradores no Navegantes. Já Grazielle Bessa é paulista, e Everton, mineiro de Varginha. Na equipe, colaboradores como a fotógrafa Carol Tavares, designers gráficos Alison Mattos e Mateus Borges.

QUESTIONAR – Ingrid explica: “Tereza da Silva é pensada para que seja uma porta de discussão sobre racismos que, diariamente, têm nos matado cruelmente, como o machismo, capitalismo e religião. Abordamos esses temas numa forma que desacomode o público, nossa mensagem é clara e incisiva. A realidade é essa, e o que você irá fazer? É o nosso compromisso e, como são temas de bastante urgência que nos machucam cotidianamente, continuaremos nossa caminhada, aprofundando e pesquisando. A ideia é que a nossa mensagem chegue ao máximo de pessoas”.

 Grupo Filhos de Tereza reúne Carol Tavares, Everton Lima, Andreza Mattos e Ingrid Duarte

Grupo Filhos de Tereza reúne Carol Tavares, Everton Lima, Andreza Mattos e Ingrid Duarte

PESQUISA – Texto e direção de “Tereza da Silva”, são de Ingrid que acrescenta: “Comecei o processo do texto de Tereza, enquanto fazia um curso de cultura afro. Observava acerca dos vários heróis e heroínas negros, que marcaram a história do povo negro. A partir disso, apareceu Tereza, numa homenagem ao dia 25 de julho, quando se comemora o Dia da Mulher Negra. E, como símbolo dessas guerreiras, está Tereza de Benguela, representante das mulheres negras. Além de Tereza de Benguela, também buscamos outras heroínas negras, tão importantes e fortes quanto ela. E nossa pesquisa ainda está em processo, pois seguimos aprendendo e descobrindo muitas coisas, inclusive sobre nossa história.  Então estamos no caminho para a construção e fortalecimento de nossa identidade. E quando perguntam sobre o nosso recado à sociedade,  repito o texto da nossa logo: ‘Nossa arte é de resistência do cabelo ao movimento’”.

AUTOESTIMA – O teatro salva, bem como o amparo familiar. Ênfase de Ingrid ao relatar sobre as barreiras no cotidiano: “Infelizmente os atos racistas, machistas e homofóbicos fazem parte do nosso dia-a-dia. E sempre que levantamos essas questões, temos inúmeros exemplos para dar, provando que existem e nos chicoteiam a todo instante. Porém, de todas as tristes histórias, conto sempre como foi difícil minha adolescência, a minha solidão e rejeição. Eu nunca gostei de alisar o cabelo, embora tenha sido a realidade das minhas colegas. Eu resisti, mantive meus cachos, mas eu fiquei ‘brigada’ com o espelho durante anos. Minha autoestima era muito baixa e eu sofria bastante quando precisava ir nalguma festa. Isso afetou não só minha vida social, mas também minha saúde. O lado bom foi que minha família e o teatro, sempre me reergueram. Eu tive essa sorte”.

RACISMO – O mineiro Everton durante dez anos morou num parque de diversão. Apaixonado pelo circo, começou a ligação com o teatro na escola. Ele acrescenta: “Tereza da Silva veio como um pé na porta, para que todos do grupo pudessem contar suas histórias e de seus antepassados. História que muitas vezes nos é negada, a historia negra desse país, e essa historia é violenta, sangrenta, mas também é bonita. Na peça colocamos em evidência o racismo, violência, machismo, sexismos, homofobia entre outras questões, e sob o nosso ponto de vista, o pronto de vista negro, pois sabemos que por mais que sejam questões delicadas, atingem de forma diferente o povo branco”.

 

Júnior, Andreza, Ingrid, Everton e Tatiana Duarte na UCPel

Júnior, Andreza, Ingrid, Everton e Tatiana Duarte na UCPel

“Tereza da Silva” estará na região

O “fragmento” de Tereza de Silva foi apresentado em duas ocasiões. Com duração de cinquenta minutos, a interpretação dramática é acentuada pelo tom crítico. Qualidade artística do grupo “Filhos de Tereza”, que encontrou o formato cênico para sacudir os espectadores. A performance é seca, crua e desafiadora. Ainda neste mês, precedendo a estreia, grupo pretende realizar ensaio aberto. O local será divulgado no Facebook.

MONTAGEM terá 1h30min de duração. Além de Pelotas, o grupo estará em Rio Grande, apresentando-se no XIV Enudsg da FURG. Conforme integrantes, São José do Norte também já convidou o grupo para apresentar o espetáculo.

LUTA contra preconceito. Percussionista Junior menciona que, ao entrar numa loja para comprar roupas, foi sendo observado por três seguranças. Ele ouviu quando um comunicou aos colegas, que seria necessário cuidá-lo pois estava “caminhando muito estranho”. Everton já foi chamado de “macaco” em Pelotas e também em Minas Gerais. No supermercado, seguido pelo segurança enquanto amigos brancos não foram abordados. Na rua, abordado e revistado por policiais, que liberaram os amigos brancos.

Andreza Mattos

Há um ano ela foi presa quando transitava à rua Arthur de Souza Costa. Algemada, foi pressionada para dizer que era a mulher apresentada numa fotografia. Aos gritos, falavam para que não mentisse, ou o tratamento seria diferente. Os quatro homens surgiram repentinamente, não usavam fardas e estavam num carro branco. Relato da jovem atriz Andreza Mattos que, na escola, era chamada de “leãozinho” por conta dos cabelos crespos. Enfrentando o racismo, ela almeja ingressar no curso de teatro da UFPel.

TEATRO começou no Navegantes 3, participando do projeto “Quilombo das Artes”, que contava com Ingrid e Everton. Afinados no mesmo “ideal de luta”, ela ingressou no Filhos de Tereza. E acrescenta que também participam seus irmãos Júnior e Alison.

REFERÊNCIAS do grupo são as mães, mulheres lutadoras, e Tereza de Benguela, Dandara, Luiza Mahin, Luiz Gama, João Cândido, Felipa de Souza, Antonieta de Barros, Abdias do Nascimento, Lelia Gonzales.

Tatiana Duarte

Em diversas ocasiões ela foi chamada de “cabelo Bombril”. Tatiana “Cuba” Duarte também se interessou pelo teatro no projeto “Quilombo das Artes”, realizado no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS/São Gonçalo). “Descobri que gostava quando tinha doze anos. Eu me interessava por atuação, só não me imaginava atuando. Foi então que, no ano de 2010, teve início o projeto ‘Quilombo das Artes’. Então entrei no projeto para ter aulas de teatro”. Sobre a peça ela acrescenta: “Tereza aborda todos os tipos de preconceitos que estão em nossa sociedade atualmente”.

FILHOS de Tereza ensaia aos sábados e domingos das 9h às 17h na Escola N. Sra. dos Navegantes. Quando a escola está fechada em decorrência de alguma atividade extra, o ensaio então é realizado no Instituto Mário Alves (IMA) – rua 15 de Novembro 501A.

 

POR CARLOS COGOY

 

 

 

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