Diário da Manhã

sábado, 23 de novembro de 2024

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FILOSOFIA SOCIAL : A conexão “Ubuntu” em Moçambique

21 janeiro
08:59 2016

Estudante da UFPel divulga o aprendizado teórico e prático no programa de intercâmbio com a África

Por Carlos Cogoy

Filosofia Social, Filosofia Africana, Filosofia da Natureza e monografia científica. Disciplinas cursadas por Vinicius Britto Moraes – estuda filosofia na UFPel -, na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em Moçambique. Prestes a concluir o curso em Pelotas, ano passado ele participou do programa de intercâmbio “Associação de Universidades de Língua Portuguesa” (AULP). Além do semestre cujas disciplinas terão aproveitamento curricular no Brasil, o jovem natural de Rio Grande também participou ativamente do cotidiano da população. Assim, como um dos idealizadores do movimento “MozBrasil, conexão Brasil-Moçambique”, empenhou-se em ações sociais. Como músico, apresentou-se ao lado de instrumentistas africanos.

No litoral, com amigos, pedalada de 270 quilômetros. Mas, seja na vida acadêmica ou no projeto social, o que foi constatado é o senso de coletividade entre os moçambicanos. Conforme Vinicius, que recebeu propostas para ficar, e avalia a possibilidade de retornar, a concepção solidária pode ser compreendida como a prática do conceito “Ubuntu”. Assim, ao invés do extremo individualismo que prevalece nos países colonizadores e seus “genéricos”, o autêntico compromisso com a comunidade. Todos estão interligados.

Vinicius Britto Moraes cursa filosofia na UFPel

Vinicius Britto Moraes cursa filosofia na UFPel

AFROCÊNTRICO – Vinicius menciona sobre o pensamento filosófico africano: “Em Moçambique existe uma filosofia cada vez mais insurgente no país. A chamada filosofia africana, também designada epistemologia africana, totalmente afrocêntrica e crítica aos eurocentrismos até então dominantes. Ela se propõe a considerar o papel do negro africano na história do pensamento humano, bem como a contribuição histórica dos povos bantos, zulus, xhosa etc. Antes e depois da exploração e opressão oriunda da colonização, atua como uma corrente de resistência ao neocolonialismo, este que segue ‘pintando’ a história com o ‘branco europeu’ em detrimento da negritude africana, que também possui papel fulcral na história da humanidade, em diversas esferas: arte, cultura, pensamento e sociedade. Enfim, existe uma ontologia africana, um ser/estar no mundo totalmente diverso, um pensamento africano essencialmente autônomo, que nossa reles filosofia ocidental pouco considera ou despreza, e que só lá tem valor cabal nos currículos. Autores locais são tão valorizados que protagonizam as referências bibliográficas das ementas disciplinares”.

PRÁXIS – Ao invés da elite acadêmica que caracteriza o ensino superior no Brasil, em Moçambique a relação é bem diferente. “Os cinco meses de experiência na UEM, me proporcionaram uma nova visão acerca da aplicação da filosofia. Cabe ressaltar que, para eles, é seriamente considerada a chamada filosofia da práxis. Assim, a teoria não pode sobrepujar a prática, nem o contrário, pois é necessário tanto um embasamento teórico para qualquer prática – sem isso qualquer prática seria ‘cega’ -, quanto uma aplicação prática para qualquer teoria. Afinal, sem isso, estaria desvinculada do real. Ótima reflexão em relação aos tempos atuais, onde os saberes tentam se apartar cada vez mais de sua responsabilidade social, se desvinculando da realidade”, diz o estudante.

DEBATE – Vinicius ressalta sobre a metodologia: “Outro ponto substancial a ser levantado é a metodologia, ou seja, como as aulas são conduzidas. O debate é o ingrediente mais apreciado no decorrer das aulas, assim como ocorreu na filosofia original, sendo o docente percebido como um mero facilitador dos debates, e os discentes constantemente encorajados e desafiados a participar. As provas orais são mais valorizadas que as escritas, e as exegeses teóricas sendo sempre pormenorizadas com a participação de todos, de forma horizontal, profundamente crítica e gradativa.

Os docentes e os discentes possuem uma simpática relação extracurricular, marcando confraternizações sempre que possível. Observei que não havia aquele distanciamento hierárquico e ríspido que tanto estamos acostumados.

De minha parte pretendo, havendo viabilidade, participar de outros programas acadêmicos ou mesmo não acadêmicos em Moçambique, inclusive tive muitas propostas para continuar lá, seja nos projetos desenvolvidos, oferta de trabalho ou para formação de banda, enfim, mas precisei voltar, pois tenho um filho no Brasil. Mas penso em voltar para lá”.

Vinicius Britto Moraes e moçambicano Abdail

Vinicius Britto Moraes e moçambicano Abdail

INTEGRAÇÃO com a população: “Os moçambicanos são profundamente cordiais e acolhedores, vivem a coletividade de maneira plena, para eles não há o ‘eu’ sem o ‘nós’, diferente do nosso individualismo ocidental. Eles exercitam a partilha diariamente, dividindo um pão se necessário, com todos os presentes, o que pude presenciar diversas vezes. É forte e está internalizado o chamado ‘Ubuntu’, a noção de que a humanidade de um sujeito está intrinsecamente ligada à humanidade de todos outros sujeitos. Assim, é impossível uma pessoa ser feliz, sem as outras ao redor serem felizes. O ser/estar africano é muito mais despojado e espontâneo que o ocidental/europeu, seja nas conversas, na espontaneidade, sinceridade e franqueza que elas são conduzidas, seja nas danças, muitas vezes muito sexualizadas, pois eles não têm nenhum pudor ou tabu em tratar da sexualidade, e isso se expressa especialmente em suas danças tradicionais; Enfim, O estado de espírito coletivo do povo moçambicano é singular, a forma como tratam das adversidades, e elas não são poucas, em muitos casos muito mais graves que as nossas, o sorriso, a simpatia e a gratidão pelo pouco que têm é marca registrada, cantam seus mantras sorrindo, mesmo debaixo do sol escaldante, vendendo no comércio informal, o que muitas vezes é uma das poucas opções para subsistência familiar”.

POLÍTICA – A Frente Libertadora de Moçambique está no poder há 38 anos. O controle é total, numa hegemonia que aparelha a máquina pública e imprensa. Vinicius reflete: “Se em muitos casos a expressão ‘esse povo tem o governo que merece’ é justa, no caso de Moçambique vejo isso de forma totalmente atravessada. Afinal, o povo, incrível e fascinante, diariamente é aniquilado por governo despótico, que mata friamente qualquer oposição mínima.

Isto não é noticiado pois boa parte da imprensa é gerida pelo partido no poder. Além disso a burocracia é tamanha, que impede qualquer mudança paradigmática”.

 

 

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