Frio é combatido com calor humano
O dia frio de sexta-feira (5), em que até a neve apareceu em Pelotas, prenunciava: aquela seria uma das noites mais frias dos últimos anos, com temperaturas próximas de 0ºC e sensação térmica negativa, conforme alguns centros climáticos. Previsão confirmada, era hora de unir forças em prol daqueles que passariam mais uma noite ao relento, se não fosse a atuação da Prefeitura e de centenas de pelotenses abnegados, que ouviram o chamado à solidariedade e levaram roupas, cobertas e colchões para a Casa de Passagem Municipal, onde uma equipe de servidores e voluntários aguardavam a população em situação de rua com uma sopa quente e o coração cheio de calor humano.
Diariamente, rondas são feitas pela equipe da Secretaria de Assistência Social (SAS), buscando tirar das ruas e proporcionar, pelo menos uma noite mais confortável, a quem tem por teto as estrelas. No inverno, o trabalho é ainda mais intenso e, em alguns dias, une-se ao do setor de Redução de Danos da Secretaria de Saúde (SMS), que tenta ajudar aqueles cujo vício em drogas ou álcool há muito tempo venceu a esperança.
Com as mãos estendidas e muita vontade de ajudar, eles percorrem os recantos onde homens e mulheres em situação de rua costumam ficar, para tentar convencê-los a ir à Casa de Passagem, local em que não falta comida e cama limpa para quem deseja abrigo.
“Essa gestão tem sido muito boa. Temos apoio e os funcionários se sentem valorizados. Só quem trabalha nas ruas sabe o quanto é difícil, então ter o apoio das secretarias e da prefeita faz a diferença”, garante a ex-coordenadora da Casa de Passagem, Denair Rosa, que recentemente passou a gestão do espaço à colega Rita Duarte, mas fez questão de acompanhar a ronda de sexta.
A missão nem sempre é fácil, a maioria não quer deixar a rua e prefere enfrentar o frio congelante a aceitar a permanência entre quatro paredes, e na noite de sexta não foi diferente. Caso de Luciano Freitas, 39 anos, que junto ao seu cachorro, devidamente vestido para a noite, preferiu ficar em sua barraca improvisada na entrada de uma agência bancária na avenida Bento Gonçalves.
Sincero e eloquente, ele agradeceu o convite, prometeu procurar ajuda médica para um problema que enfrenta na perna, porém, nem a promessa de cama e alimento quente o convenceram a sair dali. “Não precisa não, tenho bastante cobertor e um pessoal já trouxe comida”, indicando as marmitas deixadas por cidadãos que foram levar o alívio possível aos desabrigados.
‘NÃO SOMOS INVISÍVEIS’
Dos dez locais visitados durante uma das duas rondas realizadas na sexta-feira à noite, em apenas um a atuação deu resultado. Maison, 20 anos, aceitou o abrigo oferecido e acompanhou as equipes da SAS e da SMS até a Casa de Passagem, onde tomou uma sopa servida no Restaurante Popular pela Prefeitura, em parceria com a Mitra Diocesana. Meio desconfiado no início, aos poucos ele foi contando parte da sua história, deixando os detalhes para a imaginação daqueles que o ouviam.
Natural de Pinheiro Machado, Maison veio para Pelotas em busca de trabalho. No entanto, a vaga conquistada em uma empresa do Monte Bonito, 9º distrito, só garante abrigo durante a semana, deixando o jovem sem muitas opções quando começa o fim de semana. “Tenho que vir pra cidade, pois não tenho onde ficar lá. Daí vou me virando, fico na casa de amigos, durmo onde consigo”, contou meio desconfiado, sem saber se aceitava ou não a ajuda.
Ele foi o único a ir para o abrigo oferecido na Casa de Passagem, onde outras 22 pessoas já se preparavam para passar a noite fria que se avizinhava. Ao todo, graças a abertura do Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop) da Prefeitura, 70 vagas – 30 na Casa de Passagem, 30 no Centro Pop e dez no Albergue Municipal – estavam disponíveis para aqueles que precisassem.
Melhor para Michel da Silva Fabres, 32 anos, que há algum tempo passa o período noturno no espaço destinado ao acolhimento da população em situação de rua. Ele, graças ao apoio e ajuda dos assistentes e educadores sociais do local, conseguiu renda oriunda de benefício social e se prepara para, em breve, ter seu próprio lar. “O que seria da gente se não tivesse isso aqui? Só tenho a agradecer à secretaria, às ‘tias’ e ao pessoal que doou roupas e cobertas. Aqui não somos invisíveis. Só quem vive na rua sabe o que é fome e frio de verdade”.
SOLIDARIEDADE
Enquanto os funcionários da Casa de Passagem, do Centro Pop e do Restaurante Popular corriam para deixar tudo pronto e garantir o acolhimento daqueles que aparecessem, doações da comunidade não paravam de chegar. À tarde, a prefeita Paula Mascarenhas havia feito um apelo nas rádios e redes sociais para que os pelotenses ajudassem doando cobertores, colchões e roupas. Rapidamente começaram as entregas, o que esquentou a noite dos abrigados e os corações de toda a equipe. “Se cada um doar uma calça, já vai ajudar muito. Fiz questão de ajudar como podia e sei que muitos pelotenses também fizeram isso”, disse a educadora Taísa Oliveira.
E como o inverno não acabou, a missão de esquentar os dias e noites daqueles que mais precisam também não terminou. De acordo com o secretário de Assistência Social, Luiz Eduardo Longaray, ainda faltam alguns colchões. No entanto, a principal demanda é de roupas infantis, já que a SAS resolveu ampliar a campanha de arrecadações e atender pedidos da comunidade mais carente. “Quem quiser doar, pode trazer aqui na Casa de Passagem ou ligar, que buscamos. Tem muita gente pedindo ajuda, principalmente, para roupas de criança, que são mais difíceis de conseguir”, explicou, pedindo que a população avise a Prefeitura caso veja alguém em situação de rua.
A Casa de Passagem fica na rua Três de Maio, 1074. O telefone para contato é o (53) 3921-6079.
OS SERVIÇOS
A Casa de Passagem oferece 30 vagas para pernoite, com direito a banho, material de higiene e roupas limpas, além de janta e café da manhã. Os abrigados também podem guardar seus pertences no espaço apropriado, que abre de domingo à domingo das 19h às 7h. Já o Centro Pop funciona de segunda à sexta-feira, das 8h30min às 16h30min, promovendo oficinas e o encaminhamento a serviços e direitos, como atendimento médico e psicológico, feitos por meio do Consultório de Rua e da Atenção Básica (UBS Sansca), além do acesso à retirada de documentos.
Os usuários também recebem café da manhã e da tarde, bem como vale-refeição para almoçar no Restaurante Popular, que tem 1,3 mil usuários cadastrados e serve 400 almoços, funciona das 9h às 13h, de segunda à sexta-feira. No prédio localizado à rua Três de Maio, 1068, o almoço é servido às 11h30min para os cadastrados e a partir das 12h para a população em geral. As refeições têm o valor simbólico de R$2,00 e o Município ainda oferece pratos gratuitos para pessoas em vulnerabilidade social.
Assistentes Sociais realizam o cadastro de novos usuários, que têm prioridade no atendimento, todas as quartas-feiras. Os interessados devem apresentar:
- Carteira de Identidade;
- CPF;
- Cadastro NIS (Número de Identificação Social);
- Comprovante de residência;
- Foto 3X4.
Caso a pessoa não possua algum dos itens acima listados, a equipe da Secretaria de Assistência Social realiza o encaminhamento para os setores responsáveis, de forma gratuita. A documentação atualizada facilita, ainda, a busca por uma oportunidade de emprego.