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segunda, 18 de novembro de 2024

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HIP HOP : Mentalidade escravocrata no País do preconceito

09 dezembro
09:10 2016

DJ do antológico “Racionais MCs”, KL Jay foi o destaque na abertura do “Corredor Cultural” que acontece na UFPel

Por Carlos Cogoy

Num show em Barueri há 27 anos, o Racionais MCs ainda não contava com empresário e equipe. Para chegar ao show, os integrantes Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, foram de trem. Durante a apresentação, Brown criticou a polícia. Quando o grupo se preparava para deixar o salão, foi abordado por três policiais, que interpelaram os rappers. Espontaneamente, outro cerco foi se formando. O público que assistira ao show, não aceitou a abordagem, e foi expressando aos policiais que não deveriam agir daquela forma. A tensão aumentava e, na iminência de conflito, os policiais deixaram o local.

Principal DJ da história do Rap no Brasil, KL Jay dialogou sobre música, racismo e cultura

Principal DJ da história do Rap no Brasil, KL Jay dialogou sobre música, racismo e cultura

O episódio foi relatado por Kleber Simões ontem à tarde no Grande Hotel. KL Jay como é conhecido, participou da abertura do “Corredor Cultural”, programação do projeto “Ponto a Punto”, que até domingo estará reunindo representantes de pontos de cultura da região e Uruguai. Conforme KL Jay, o incidente há quase trinta anos, foi o primeiro impacto da “importância do que o grupo estava fazendo”. Ele recordou a surpresa diante da resposta do público. Tempo transcorrido, os inúmeros discos, shows e viagens, definiram o Racionais como principal grupo do Rap brasileiro. E KL Jay também mencionou que, recentemente, estava numa fila em lotérica, quando foi sendo cumprimentado. Em geral, comenta, desconhecidos aproximam-se e agradecem. Muitas vezes acrescentam que chegaram a profissões como advocacia e psicologia, ou que deixaram a criminalidade, por conta da influência de letras do Racionais. “Os MCs são vistos como super-herois. E deveriam dar aulas nas universidades, pois sabem mais em relação ao cotidiano”, expressou o DJ. KL Jay, no entanto, advertiu que é grande a responsabilidade. Porém, o rapper tem de ser “livre e verdadeiro, e não pagar de líder das multidões”.

RACISMO – À mesa com o DJ, produtor cultural Manoval, Alexandra Pereira – vice-coordenadora da Associação Hip Hop de Pelotas -, e Jair “Brown”, um dos pioneiros do Rap pelotense. KL Jay admirou-se com as telas retratando orixás. Ele comentou que jamais, nalguma escola ou universidade, deparou-se com ambiente que apresentasse imagens da religiosidade de matriz africana. E o DJ foi informado que a mostra reunia criações dos artistas Jonas Fernando, José Darci e Valdir Ferreira. O contraste, observou KL Jay, é apenas um dos inúmeros e recorrentes exemplos do preconceito racial que predomina no cotidiano brasileiro. Ele observou que Mano Brown, há poucos meses, esteve em Nova York. No cinema, Broadway, restaurantes, diferentes locais públicos, sempre foi encontrando brancos, negros, asiáticos. Ao embarcar no avião, entretanto, preparando-se para o retorno ao Brasil, notou que ele era o único passageiro negro. “O Brasil é preconceituoso, com mentalidade de quinhentos anos atrás. É um pensar pequeno, escravocrata. O País faz questão de mostrar que é de brancos. E isso influencia desde a infância. O preto cresce achando que o mundo é dos brancos. E os brancos considerando que o mundo é deles. Nos filmes, tevê, os protagonistas são brancos. Então, é uma mentalidade colonial, racista, que atinge a todos. É uma matemática, numa situação favorável ao branco, e o preto acomodado. É incrível como funciona, e demarca o modo de agir e pensar. Então, quando um negro aparece de BMW, óculos e corrente, causa impacto, pois a mentalidade é de quinhentos anos, e visa explorar o outro. Se o País não investir em tecnologia e educação, pode esquecer. E às vezes fico imaginando, como deve ser o diálogo numa dessas cúpulas internacionais. Devem comentar o quanto o País é rico, e o absurdo das decisões que são tomadas”.

Representantes de pontos de cultura da região e do Uruguai

Representantes de pontos de cultura da região e do Uruguai

POLÍTICA – Para KL Jay, as letras politizadas do Rap, marcaram os anos noventa. Atualmente, observa, apesar do Estado Islâmico e Trump nos EUA, o contexto é diferente. Os problemas sociais existem, mas também o mundo teve avanços democráticos. “A batida do Rap é global. No Brasil, para conquistar espaço e vencer barreiras, o Hip Hop tem de dispor dos próprios espaços e canais para a comunicação. A empresa é nossa e temos de fazer ela funcionar. Não devemos esperar pela empresa dos escravocratas. A gente quebra a barreira”, afirmou.

EDUCAR – Numa questão sobre o Hip Hop e educação, em especial nas oficinas ministradas nos pontos de cultura, o DJ aconselhou que, além da música e dança, a criança e o jovem encontrem amizade, orientação, diálogo franco. “Quando se conversa algo que sempre esteve reprimido, abre-se um portal na cabeça do jovem. Então, ponto de cultura também deveria abordar sobre o que os jovens gostariam de ser, dialogar sobre educação sexual. Trata-se de conversas reais, tratando-os como filhos”, disse.

DJ KL Jay (Racionais MCs), Manoval, Jair “Brown” e Alexandra

DJ KL Jay (Racionais MCs), Manoval, Jair “Brown” e Alexandra

TRAJETÓRIA de KL Jay começou na discotecagem de bailes e festas. Através de “samples” do funk, foi descobrindo o jazz, blues e rock. Na origem, como afirmou, os tambores que chegaram com a diáspora negra. A amizade com Edi Rock iniciou na escola Albino César. Posteriormente, as rodas de Hip Hop na estação São Bento do Metrô, e a parceria com os primos Mano Brown e Ice Blue. “O Hip Hop é uma cultura musical, estilo de vida, global, indústria cultural multimilionária, e sou parte dessa engrenagem. Mas foi o Hip Hop que salvou uma geração que estava condenada”, concluiu.

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