Irreverente e polêmico, autor pelotense Albertinho Liberato está de volta
Indicado à comissão de tradução da Bíblia da CNBB, pelotense Alberto Liberato identifica resistência à sua participação
Por Carlos Cogoy
Ele assegura que, em nenhuma língua, houve tradução para os termos do latim “baálim” e “asherah”. Na história da tradução da Bíblia, não há definições, nem na versão para o grego na Antiguidade, tampouco na “Vulgata” de São Jerônimo na Idade Média. Mas, para o escritor pelotense Alberto Liberato, que tem retornado à cidade após duas décadas, o fator linguístico foi tema de pesquisa. Ele menciona que, então estudante de teologia na EST da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), realizou a tradução do “Livro de Juízes”. O trabalho, que ainda permanece inédito, motivou pesquisas sobre o sistema verbal hebraico. Com isso, diz Albertinho – como é identificado pelos amigos e leitores -, descobriu a “solução da tradução do verbo hebraico para o português na língua egípcia”. O resultado surpreende.
TRADUÇÃO – Em visita à cidade natal, onde reencontra amigos e procura resgatar sua trajetória artístico-cultural, Albertinho tem divulgado novos livros – aquisição no Bem Brasil, lojas 14 e 15 do Mercado Público -, bem como alguns dos projetos que está desenvolvendo. Intelectual irrequieto, Albertinho cita as traduções para “baálim” e “asherah”. A primeira expressão pode ser entendida como “exus”, e a segunda “pomba gira”. Ele explica sobre a descoberta: “O meu trabalho foi influenciado pela magnífica professora de hebraico da EST, Marie Anne Krahn, de quem fiquei amigo e de seu marido, o professor Allan, bibliotecário da EST, duas pessoas sensacionais. Pelas minhas pesquisas sobre a tradução do verbo hebraico, recebi uma indicação do arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, que me encaminhou para a atual comissão de tradução da Bíblia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Até o ano passado, a comissão era presidida pelo arcebispo de Pelotas, Dom Jacinto. Embora a indicação, não cheguei a assumir, pois fui impedido pelo superior dos jesuítas, que deu ordens ao coordenador da equipe, o padre Johan Konings. Aliás, acabei ficando amigo do padre Johan”.
CONTROVÉRSIA – Albertinho acrescenta: “A ‘questão religiosa’ vem desde o século XIX, quando o Imperador D. Pedro II, sobrepôs-se ao poder do Papa romano sobre os bispos brasileiros, e o jovem bispo de Recife reagiu, apoiado pelo bispo do Grão-Pará. O problema de soberania persiste, uma vez que a Igreja Cristã continua querendo governar o país. A bancada católica, no parlamento brasileiro, foi superada pela bancada evangélica, mas elas atuam conjuntamente e sob um mesmo espírito. Já o que eu tento apontar é o surgimento de práticas demonistas no país, até então bastante inexpressivas, mas facultado o seu crescimento pela Constituição republicana e a liberdade religiosa burguesa. A palavra ‘demônio’ é um termo técnico da teologia, e é bem mais abrangente que o conceito de ‘numinoso’ da psicologia. O conceito de demônio engloba os fenômenos paranormais e os sobrenaturais. Pode-se classificar como práticas demonistas, todos os cultos às almas dos mortos que incluem possessão sonambúlica. Embora o termo demônio em Homero inclua as divindades, pessoalmente, prefiro deixar de fora o culto africano do ‘batuque’, como culto à divindade, o Orixá, e não a demônios. Acho didática a divisão clássica entre o divino e o demoníaco para uma abordagem da questão religiosa no Brasil. Mas esta questão de demonologia é controvertida”.
CONTEXTO – E Albertinho avalia: “Na minha opinião, o Estado deveria ser ateu e não conhecer matéria de religião. Isto, por exemplo, nos pouparia a religião na mídia, como a tevê, que é cedida pelo Estado. O Estado leigo, que foi o projeto da burguesia, pleiteado pela ascensão vitoriosa, deu nisso que contemplamos no Congresso brasileiro. Creio que o próximo passo da história é o estado ateu. O poder público deve ser alienado deste aparelho ideológico que é a religião. O Estado ateu nos livraria da bancada evangélica, que tem sido tão proeminente em defesa dos institutos religiosos no Congresso, obtendo atenuação das taxas em 70%, e das multas em 90%. Essa bancada que também votou contra Dilma, decidindo a votação. Ou seja, eles pactuaram com a CIA, que moveu o golpe desde as marchas de 2013, orquestradas pelos jornais do sudeste do País”.
Platão e Ópera Rock
As primeiras publicações de Albertinho Liberato, “Cartas Ingênuas” e “Fascismo no poder”, remontam aos anos oitenta. Os livros confeccionados artesanalmente, e comercializados em eventos e espaços públicos, inauguraram o estilo que se tornaria a característica do autor. Assim, desde então, são diferentes títulos, que abrangem ensaios religiosos, políticos e históricos.
OBRA – O escritor menciona: “Meus livros já são muitos. Creio que os mais importantes são o ‘Tratado de Demonologia’, com trezentas páginas, que era costurado à mão e vendido pessoalmente. Atualmente está no prelo, esperando sua oportunidade. Também alguns cadernos como a ‘Crítica da Teologia Moderna’, ‘Origens Préistóricas do Essênio-Cristianismo’ e ‘Jesus Pederasta’. Em seguida passei para a literatura de cordel, mas de conteúdo filosófico e científico, que possui hoje duas coleções de minilivros: ‘Edição Pirata’ e ‘Passeio na Chuva’, sendo que ‘Passeio na Chuva’ é de natureza mais romântica. Somente estão à venda os minilivros, de mão em mão”.
PLATÃO (427/347 a.C.) também é fonte de pesquisa para Albertinho. Ele divulga: “Recentemente publiquei uma pequena obra de Platão, que traduzi do grego, ‘Os Amantes’. O primeiro diálogo atribuído a ele, e que já teve a autoria questionada, mas reabilitado por alguns platonistas do século XX, após o desenvolvimento que teve a linguística no século passado. O livro voltou ao prelo devido a pequeno problema de edição na introdução. E, na introdução de ‘Os Amantes’, de Platão, discuto o demônio de Sócrates. Ali apresento pesquisas que mostram analogias que confirmam as origens etimológicas das palavras ‘exu’ e ‘demônio’, revelando a sua similitude, rastreadas através do sânscrito, grego e hebraico. Portanto, comprovei linguisticamente que a palavra ‘exu’ significa ‘demônio’”.
ROCK – Entre as inúmeras peripécias de Albertinho, recorda que, à época da então Escola Técnica Federal de Pelotas – atual IFSul -, teve censurada a ópera-rock “Pindorama”.
Espetáculo teatral “A bruxa”
No 2º Festival de Teatro de Pelotas em 1986, Albertinho (Foto) apresentou a peça “A Bruxa”. Ele recorda que, para apresentar no Theatro Sete de Abril, foi necessária medida judicial. O espetáculo também foi apresentado no Calçadão, rua 15 de Novembro e, em Tapes, no encontro da Federação de Teatro Amador. O ator e autor Albertinho também realizou apresentação especial, para a então Associação dos Artistas de Teatro de Pelotas (ASA/Teatro).
PAÍS – A montagem, diz Albertinho, foi encenada em seminários teológicos do Estado, Santa Catarina, e Nordeste. “’A Bruxa’ era basicamente um protesto contra o atual marasmo no enfrentamento da Igreja à magia negra, concebida em uma estética pós-moderna, na qual uma bruxa medieval fazia um moderno feitiço brasileiro”, diz ele.