LITERATURA : Livro sobre a violência sexual de meninos
Romance quebra o tabu e aborda sobre o abuso sexual na infância
Por Carlos Cogoy
Uma obra ficcional para romper o silêncio, um romance literário para quebrar o tabu. A violência sexual de meninos, no livro “O primeiro estupro – a morte de minha alma” (editora Chiado Books), é a abordagem do médico porto-alegrense Volnei Tavares. No volume, ele se identifica através do pseudônimo Joaquim Manoel da Silva. Estudante de violino na UFPel, Volnei conta que o livro resulta da imaginação, mas também baseia-se em memórias e lembranças. Afinal, durante sete anos, trabalhou como educador social na Fundação de Assistência Social e Comunitária (FASC), em Porto Alegre. No entanto, foi no atendimento, como médico, que se deparou com a brutalidade da violência sexual na infância. De acordo com o escritor, o lançamento está programado para o fim de agosto na capital gaúcha. Mas, como a editora é portuguesa, além do Brasil, também haverá distribuição e divulgação em Portugal, Angola e Cabo Verde. Em Pelotas, diz o autor, possibilidade de lançamento presencial. Após o lançamento oficial, a obra poderá ser adquirida nas grandes livrarias do País, ou diretamente no site: chiadobooks.com
ABUSO – A história de Volnei é lição de perseverança, busca e aprendizado. Ele menciona que a mãe trabalhava como empregada doméstica, e o pai era pintor de parede. A infância humilde, no entanto, não o impediu de cursar sociologia e medicina na UFRGS e, mais recentemente, ingressar na UFPel. Durante as formações, conciliou estudo e trabalho. O livro, conforme explica, foi escrito durante dois anos. “Como educador social junto a meninos e meninas em situação de rua, ou cumprindo medidas socioeducativas, criei vínculos, tornando-me referência para muitos. Mas não posso negligenciar o fato de que a maior parte foi morta ou morreu, vítimas silentes da violência que, no Brasil, tem ‘classe social’ e cor. A partir dos sete anos de trabalho, fui acumulando vivências e lembranças. Mas foi a oportunidade de tratar um menino de dez anos de idade, quando eu estava já graduado em sociologia, e trabalhando como médico especialista numa unidade de terapia intensiva,que motivou o enfoque. Esse menino era violentado cotidianamente pelo padrasto, com a aquiescência de sua mãe. Contraiu o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), desenvolveu infecções oportunistas graves, e internou na UTI na qual trabalhava. Esse foi o estopim para a escrita do livro”, afirma o escritor.
LIVRO – No livro, narrativa acontece através de fragmentos da memória. O protagonista lida com as lembranças dos abusos que sofreu, entre os cinco e treze anos de idade. O autor acrescenta: “O livro não é autobiográfico, mas certamente, há vários personagens, tensões e discriminações que vivia, enquanto menino pobre e negro. Nessa ficção, o enfoque é a memória. São as lembranças. A linguagem é seca, contundente, angustiante. Tenta despertar empatia frente ao horror da agressão sexual. A experiência do abuso não difere quanto aos traumas entre os sexos. É brutal e pode ser ainda mais perversa para os meninos, como o livro tenta mostrar. Falamos aqui de crianças com cinco, dez e doze anos. O problema é dramático e precisa ser levantado pois, ainda mais aterrador, é o silêncio da sociedade. Culpa as vítimas, e fecha os olhos. Acredito que o livro possa ajudar as vítimas, sejam meninos ou meninas, os educadores e os profissionais de saúde que os tratam”.
MUDANÇAS – Volnei recorda que se empolgou com a leitura aos nove anos, quando a mãe o deixava, durante a tarde, na biblioteca pública. De origem indígena, identifica-se como negro devido aos laços culturais com familiares. A opção pela sociologia ocorreu ainda na escola, devido às aulas de uma professora de história. Ele menciona: “O curso de sociologia foi quem definiu quem sou, era necessário. Já o de medicina, além de ser apaixonado pelas ciências biológicas, foi a maneira que achei de poder ajudar as pessoas de uma forma na qual a sociologia não me permitiria fazê-lo. Trabalhei e estudei durante toda minha formação. Estágios ou trabalho noturno, estudo durante o dia. Esta foi minha rotina durante onze anos”. Motivado por mudanças, Volnei está no terceiro semestre da formação em violino. Sobre os compositores que admira, vai elencando Bach, Vivaldi, Mozart, Beethoven, passando por Sibelius, até Villa-Lobos. Em relação à saúde pública, observa: “A OMS aponta que os vírus emergentes se tornarão uma realidade presente. É preciso que os governos aparelhem os seus sistemas de saúde, e criem condições para que as pessoas possam sobreviver dignamente em situações de calamidade pública ou confinamento. Na outra ponta, o povo precisa acordar para defender o SUS pois, sem ele, quem poderia pagar por consultas, vacinas, pela vigilância sanitária e epidemiológica, ou por leitos de UTI?”.