LIVRO : Autocontrole como desafio para superar a dependência
Em “Vai dar tudo certo”, o relato de Wagner Dieguez para vencer a cocaína
Por Carlos Cogoy
Na fase aguda da dependência, o designer e publicitário Wagner Dieguez (37 anos), consumia cocaína até três dias sem parar. Ele interrompia o ritmo durante alguns dias, mas logo retomava com intensidade. Essa jornada, entre os 29 e 34 anos, levou a quatro internações, e demissões em Novo Hamburgo e Pelotas. Ele menciona sobre o sofrimento: “Há dois anos e meio, eu quis pela primeira vez, parar de uma forma sincera. Foi a primeira vez que consegui a decisão de parar de fato. Quando pensei em me matar, entrei em pânico e senti vergonha, como nunca havia sentido antes. Foi a primeira vez que senti compaixão por mim. A fé que podia superar essa angústia, uma dimensão espiritualizada capaz de me resgatar do lugar escuro no qual havia me metido. Ela foi um último recurso, pois não queria me internar outra vez. Essa mudança foi já num terceiro dia, no qual eu observava o sol que batia na mesma janela. Enquanto eu via as pessoas logo cedo, do outro lado da calçada, indo trabalhar, me questionava por que eu não conseguia levar uma vida normal. Cheirava e chorava ao mesmo tempo. Foi aí que abri a gaveta onde guardava o dinheiro, para sair e comprar uma arma. Por sorte havia cheirado tudo”. A história de Wagner, atualmente casado com Liz Dias e pai de Ragnar – completa quatro meses no dia 23 -, está no livro “Vai dar tudo certo – voltando para casa” (198 páginas). A obra já está disponível em E-book, com o preço de R$14,90. A publicação impressa ainda depende de editora. Saiba mais no site: vaidartudocerto.art.br
ARMADILHA – Egresso da formação em design no IFSul, e publicitário há quinze anos, Wagner está à frente da WTWO Agência de Comunicação. Vivendo uma nova fase, ele recorda da queda nas drogas: “Tudo começou como um meio recreativo, curiosidade, e por anos acreditava que tinha o controle, e poderia voltar assim que quisesse. Mas acredito que uma coisa foi levando a outra. No meu caso acredito ter sido desta forma. Mas não posso dizer que pelo fato de ter me interessado pelo álcool acabei me tornando um dependente de cocaína. Penso que a questão é mais profunda já que, diante da sensação de vazio e angústia, surge uma chance para se sentir bem, sentir-se feliz. Tanto o álcool quanto as drogas trazem à tona, inicialmente pela liberação de dopaminas, uma falsa sensação de bem-estar. Por isso algumas pessoas usam por curiosidade e seguem normalmente suas vidas, sem nunca entrar na barca furada. Pessoas como eu, cheias de traumas e com tendências depressivas, têm muito mais probabilidade de passar da curiosidade, enveredar pela estrada das drogas, e ficar presas. Provavelmente se a cocaína tivesse cruzado meu caminho aos dezesseis anos, num quadro depressivo agudo, e antes do álcool, teria ficado dependente mais cedo. Aos 24 anos me foi dada uma única carreira numa quantidade muito pequena e não lembro de sentir grandes efeitos, talvez por ser misturada demais. Já aos 29 anos em Novo Hamburgo, quando experimentei pela segunda vez, foi tudo diferente, e houve um pico muito alto de euforia, numa sensação de bem-estar. Foi como se tivesse sido arrancado da depressão, sendo levado direto ao topo do mundo. Cinco minutos após cheirar, senti que todos os meus problemas haviam sumido. Tive a nítida sensação de que acabara de encontrar o que procurava há anos, me sentir bem”.
SAÍDA – Álcool, maconha, haxixe, Ecstazy, LSD e medicações como ritalina e Rivotril. Na trajetória de Wagner, houve variadas tentativas para alcançar o bem-estar. Nas internações, deparou-se com a dramática realidade dos adictos (dependentes). O escritor observa: “Foram tentativas iniciais que não deram muito certo, por ainda haver uma parte de mim que negava tudo aquilo. Mas, por outro lado, deram certo como processo evolutivo, e poder avaliar a situação de um ângulo melhor, vendo que atingia muitas pessoas. Dentro das clínicas conheci desde bancário, dentista, neurocientista, psiquiatra, homens e mulheres das mais variadas classes sociais, e todos lá perderam o controle. Muitos jogaram fora casas, apartamentos, famílias e relacionamentos de uma vida inteira. E mesmo assim todos, como eu, negavam a dependência. Mesmo estando dentro da clínica. Vi pessoas receberem alta numa sexta-feira e, na segunda-feira, internarem por causa da recaída. Mas as clínicas ajudam e são importantes, pois lá dentro é mais fácil cair a ficha por identificação, saca? Além disso, ajudam na desintoxicação, dão um respiro para colocar a cabeça no lugar e reavaliar a vida. É muito difícil tu reavaliar e organizar tua vida, três dias socado num quarto cheirando cocaína, entende? Fora isso a ajuda, compreensão e apoio da família é crucial para sair dessa. Posso dizer, por mim, que embora me incomodasse a sensação de ser pressionado e alertado pela minha ex-esposa, no fundo eu gostava de ser cuidado. Acredito, posso estar enganado, que todo adicto em fase grave, como a que vivi, está pedindo socorro a nível inconsciente. É alguém que quer ser cuidado, e está tentando chamar a atenção à sua maneira”.
VIDEOS – No Facebook, Wagner tem divulgado vídeos com depoimentos e reflexões. Ele compartilha sua experiência e interage com o público. A ideia possivelmente migre para canal no Youtube. Outro projeto, para o período pós-pandemia, é realizar palestras sobre o livro e sua experiência.