Diário da Manhã

sábado, 16 de novembro de 2024

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LIVRO : O jornalismo que colocou a Lava Jato sob suspeita

07 janeiro
09:02 2021

Ferindo a Ética da Magistratura, o então juiz Sérgio Moro orientava a acusação

Por Carlos Cogoy

Mensagens, áudios e imagens, provenientes de dezenas de grupos integrados por procuradores da força-tarefa Lava Jato – então coordenada por Deltan Dallagnol -, no aplicativo Telegram, exigiram dez horas para download completo. O material foi avaliado, fracionado, e começou a chegar ao público em junho de 2019. A revelações da investigação jornalística do site The Intercept Brasil, abalaram a imagem de lisura moralista da pretensa “cruzada contra a corrupção”. Nas mais de cem reportagens divulgadas, que também foram sendo publicadas em veículos parceiros como Folha de São Paulo, Veja, UOL, Agência Pública, BuzzFeed News Brasil, El País e jornalista Reinaldo Azevedo, as trocas de mensagens evidenciaram o conluio entre a magistratura, através do então juiz Sérgio Moro, e os procuradores capitaneados por Dallagnol. Com isso, a força-tarefa que iniciou em 2014, foi gradativamente perdendo credibilidade. E há pouco mais de um ano começaram as ficar expostas as fragilidades de uma trama que, pode-se depreender facilmente, mirou especialmente na esquerda brasileira, em especial o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como resultado, Lula foi solto poucos meses após a primeira reportagem da série.

O trabalho também contribuiu para abortar, via Supremo Tribunal Federal (STF), o plano ambicioso da força-tarefa, de abocanhar R$1,25 bilhão – equivalente a 1/3 do orçamento anual do Ministério Público Federal (MPF) -, referente a 80% de multa desembolsada pela Petrobras aos EUA, e que estava retornando ao Brasil. O valor seria para fundação que “combateria a corrupção”.

À época, o ministro Gilmar Mendes afirmou que os promotores estavam “participando de uma corrida do ouro”. Algumas das inúmeras narrativas que integram o livro “Vaza Jato – os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil” (319 páginas). No volume de autoria da jornalista gaúcha Leticia Duarte, também estão divulgadas imagens da jovem e corajosa equipe do Intercept Brasil, e a publicação é da Mórula Editorial. Na internet: morula.com.br

SEGREDOS – O Intercept Brasil foi criado por Glenn Greenwald – notabilizou-se internacionalmente ao divulgar em 2013, as denúncias de Edward Snowden, ex-analista de inteligência da CIA que divulgou a extrema vigilância desencadeada pelos EUA aos cidadãos e nações -, em 2016, dois anos após o surgimento do The Intercept nos Estados Unidos. Em maio de 2019, Glenn foi procurado pela ex-deputada Manuela D’Ávila. No Dia das Mães, ela começou a receber mensagens de um anônimo, que queria divulgar arquivos captados em grupos da força-tarefa. Houve a conexão, e o início da investigação jornalística. Contando com a equipe que reunia profissionais como Leandro Demori, Rafael Moro Martins, Alexandre de Santi, Victor Pougy, Bruna de Lara, Andrew Fishman, Paula Bianchi, Amanda Audi, Marianna Araujo, o Intercept Brasil tratou de zelar pela segurança do material, providenciando a criptografia, e o armazenamento de mais de seiscentos mil arquivos no exterior. No livro de Letícia Duarte, constam as inúmeras dúvidas, anseios e temores do grupo. Em tom de reportagem, ela vai narrando o impacto das descobertas, o desafio diante do volume de informações, o sigilo da fonte como parâmetro jurídico, as ameaças e o contexto que precipitou a primeira publicação, no dia 9 de junho, um domingo.

Jornalista gaúcha Letícia Duarte

AUTENTICIDADE – Jornalisticamente, a equipe do Intercept Brasil selecionou apenas temas de interesse público, desconsiderando mensagens privadas entre os procuradores e também do então juiz Sérgio Moro. Outra etapa rigorosa, foi a checagem dos dados, conferindo nomes que, no Telegram, apareciam muitas vezes apenas com o prenome. Embora, em algumas ocasiões, tanto Moro quanto Dallagnol, tenham suspeitado da veracidade, ou alegaram que não lembravam detalhes, bem como argumentaram que poderia haver alteração nas informações, os próprios envolvidos acabaram reconhecendo a legitimidade dos grupos e mensagens.

CRUCIFIXO – No livro constam dez reportagens “vazadas” pela equipe do Intercept. E também duas inéditas, elaboradas para a publicação no volume. Entre as dez, já amplamente conhecidas, constam “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”, título extraído de manifestação da procuradora Isabel Groba, indignada com o ministro Ricardo Lewandowski (STF), que autorizara entrevista do ex-presidente Lula. Era 2018, Lula estava preso, e uma entrevista poderia mudar o rumo da eleição presidencial.

Os procuradores estavam atônitos, e não aceitavam uma possível vitória do PT. A entrevista não saiu, já que o ministro Luiz Fux (STF), concedeu liminar ao Partido Novo. O resultado eleitoral é sabido, e a consequência está em 200 mil mortos numa pandemia, ainda sem a iminência de vacinação. Em “Não é muito tempo sem operação”, Moro – então magistrado -, orienta o trabalho da acusação, num descarado conluio que fere o Código de Ética da Magistratura.

Em “Tem alguma coisa mesmo séria do FCH?”, os arranjos para procurar uma imagem imparcial à força-tarefa, citando FHC em tema prescrito, referente a caixa 2 de 1996, e evitando questões atuais. Na reportagem “Isso é um pepino pra mim”, Dallagnol fatura com palestras, inclusive para empresa citada em delação. Daí faz um malabarismo de explicações, para argumentar que não conhecia o teor da delação, embora já largamente compartilhada nos grupos. Em “EUA estão com a faca e o queijo na mão”, uma estranha visita de dezessete procuradores americanos a Curitiba, sem a necessária anuência legal do governo federal. Na inédita “PQP, matérias furadas na internet”, o trabalho em torno da descoberta do crucifixo que ficava no gabinete de Lula no Planalto. A suposição, com base em informações de redes sociais, era que o ex-presidente tivesse furtado o símbolo religioso, o que possibilitaria prisão em flagrante. O desfecho é tragicômico.

DALLAGNOL deixou o comando da força-tarefa em setembro de 2020. A suspeição de Moro ainda está para ser julgada no STF.

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