LIVRO : Um tanto de chão em estado de sangue e alma
Sexta às 19h, escritora pelotense Hilda Simões Lopes, autografará o romance histórico “Tuiatã” no Instituto João Simões Lopes Neto
Por Carlos Cogoy
Um pouco de tempo em estado puro. A frase de Marcel Proust, extraída de “Em busca do tempo perdido”, integra a epígrafe que abre o romance “Tuiatã” (560 páginas). Oitavo livro da pelotense Hilda Simões Lopes, o lançamento acontecerá sexta às 19h. Como local, o instituto que homenageia o primo-irmão de sua mãe, escritor João Simões Lopes Neto (1865/1916). No romance, escrito durante quatro anos, quase três séculos da saga que começa em Portugal, atravessa o Atlântico, e chega ao extremo sul. Para mapear o percurso de gerações, Hilda recorreu às narrativas, fotos e documentos que, há bom tempo, foi recebendo de familiares. Além disso, debruçou-se sobre livros e publicações acadêmicas, bem como arquivos históricos no Estado e no Rio de Janeiro. Mas, muito além de árvore genealógica, o livro apresenta as peripécias, amores e dores, relacionados a momentos históricos que demarcam a formação do Brasil. Ilustrado, o volume é publicação da editora Libretos, e o Instituto João Simões Lopes Neto, está situado à rua D. Pedro II 810.
PESQUISA – A escritora menciona acerca do desafio de conciliar a busca pela memória, com a criação ficcional: “A narrativa trama ficção com realidade, que está documentada. Mas a espinha dorsal é toda real, como também a maior parte, talvez uns 80% da obra. Só criei ficção onde inexistiam documentos de qualquer tipo, e eu tinha esgotado todas as possibilidades de encontrá-los. A imaginação fluiu mais na primeira parte, século XVIII, onde era mais difícil existirem documentos ou testemunhas. Li muito sobre Minas, seus historiadores, os estudiosos dos dragões d’El Rei, e descobri uma fonte que muito me ajudou. Refiro-me a teses acadêmicas de doutorado em história da Universidade Federal de Minas Gerais. É incrível o valor da pesquisa acadêmica”.
IMAGINAÇÃO – Quanto mais remoto o tempo, menor a probabilidade de documentos. E, para a escritora, a ficção foi a saída. Em especial, no início do século XVIII, quando houve o encontro de militar – dragão oficial da Corte portuguesa -, e uma cigana. A autora exemplifica: “Como o dragão se encontrou com a cigana? Eu sabia onde o pai dela tinha ganhado terras, logo viviam em Curral d´El Rei, futura Belo Horizonte. Eu sabia onde o dragão vivia, e onde tinha construído o Quartel General dos Dragões de Minas. Sabia que os ciganos vendiam cavalos, e que ele sempre precisaria repor os cavalos da tropa. Então inventei que ele foi comprar cavalos e, a área onde ela vivia, era próxima. Daí ao pedir ajuda ao pai dela, os dois se conheceram. Aí se estabelece a única parte que é totalmente ficcional. A festa que o pai propõe para aproximar o casal, e ele roubando a noiva, conforme pesquisei, é da cultura deles. De resto, volta a realidade, data quando casaram, lugar, onde nasceram os filhos, a chegada da Inquisição, a transferência para o Rio. Também o nascimento dos outros dois filhos, a perseguição no Rio, e ele se engajando na frota do Silva Paes. Consta nos documentos, foi o único ‘dragão’ a vir com família. O que inventei aí pelo meio? Apenas diálogos. Então, é um romance histórico com muito de história, e um tempero de ficção. Aliás, lembrei Michel Foucault, que dizia não existir história, apenas ficção, pois mesmo quando o historiador usa fonte primária, tudo passa por seus filtros pessoais, e o que colocar no papel será literatura”.
ESCREVER – Sobre o texto, ela observa: “Ele tem de ser ágil, ter leveza, por mais trágico que seja, ter unidade e muito ritmo. Escrevo e reescrevo o tempo todo. Deixei a editora quase doida, teve que trocar quatro vezes o revisor porque eu não aceitava a alteração nas vírgulas, que enchia as frases de recursos gramaticais, tirando a respiração do texto. No fim, quem revisou fomos eu e a editora, que entendeu os meus valores”.
QUESTIONAR – Hilda conclui: “Nunca escrevo sem uma proposta crítica, um questionamento, uma ironia a algum aspecto desse triste mundo onde vivemos. Seria inócuo tomar o tempo de quem me lê, sem levá-lo a refletir sobre a vida e o mundo circundante. Tive várias mudanças em minha vida, feitas por muito livro bom que li. A literatura deve nos abrir horizontes. Busco isso. Sempre”.
ROMANCE “Tuiatã” conta a dinastia de família gaúcha, em meio a guerras, revoluções, festejos, fugas e paixões. Tuiatã é pássaro. Conforme trecho: “Olhou o Tuiatã. Sabia que o avô comparava a própria família àquele pássaro que era discreto, guardava o seu melhor para os seus e os ensinava, desde cedo, a reverenciar a natureza… Para João, o pássaro era diferente dos outros e, sobretudo, das pessoas. Não usava o seu melhor para se exibir, o seu melhor era para cantar o sublime e para celebrar o belo…”.
O prefácio é de Tabajara Ruas, que escreve: “É um romance de ideias e de discussões ideológicas, de sacrifícios e traições”.