LIVRO : Vítima de linchamento digital, Patrícia Campos Mello distingue “infodemia” e jornalismo
Por Carlos Cogoy
O itinerário diversionista no Brasil, cujo propósito é instigar polêmicas de ocasião, tem sido eficaz ao fragilizar o debate público, e comprometer o senso de cidadania e convivência democrática. Essa “infodemia” – excesso de informações com credibilidade duvidosa -, nas redes sociais, foi estratégica na campanha eleitoral à Presidência da República em 2018, e desde o ano passado consolidou-se através do chamado “gabinete do ódio”, um núcleo informalmente vinculado ao Palácio do Planalto. Como exemplo recente, a opiniões desencontradas sobre a vacina que combate o coronavírus. Ao grande público, ao invés de informações balizadas pelo rigor científico, têm se disseminado interpretações rasas, considerando-se enviesadas especulações ideológicas e conspiratórias. A falsa polêmica – em dois anos, o governo federal tem regularmente protagonizado as mais variadas -, é uma forma de acobertar questões cruciais. Assim, enquanto parentes, amigos e colegas, através de aplicativos, repassam e opinam sobre desatinos como a vacina “que pode alterar o DNA”, ou seria estratégia para redução populacional, as atenções são desviadas de temas como a série de investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) – denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa -, até a entrega do Banco Central, com a decantada autonomia, para o mercadão financeiro. Mas a “infodemia” também é virulenta nos ataques a reputações, promovendo chacinas virtuais. A jornalista Patrícia Campos Mello (Folha de São Paulo), por conta de matérias que enfureceram as hordas bolsonaristas, foi alvo de ofensas, ameaças, e sofreu linchamento digital.
VIOLÊNCIA – A experiência de Patrícia Campos Mello, está no livro “A Máquina do Ódio – nota de uma repórter sobre Fake News e violência digital” (294 páginas). Na obra publicada pela Companhia das Letras, além do sofrimento causado pelos ataques, ela conta sobre o método que impulsionou personagens como Bolsonaro no Brasil, Trump nos EUA, húngaro Viktor Orbán, Narendra Modi na Índia, Rodrigo Duterte nas Filipinas. No itinerário do linchamento, a autora menciona a publicação de matéria em outubro de 2018. Há dois anos, a reportagem investigativa “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp”, demonstrava que empresas de marketing, estavam sendo contratadas, para o envio em massa de Fake News. Além do crime de envio de mensagens para ataques à imagem, também se caracterizava “caixa 2”, com empresas bancando a ofensiva virtual. O trabalho de Patrícia Mello desencadeou montagens, vídeos, memes, bombardeio de xingamentos, celular hackeado, e ameaças à integridade do filho – então com seis anos idade. O jornal disponibilizou um segurança para ela, e Patrícia Mello fechou as contas em redes sociais. Ela escreve: “Cobri o conflito na Líba em Sirte, no front contra o Estado Islâmico. Fiz coberturas da guerra na Síria, no Iraque e no Afeganistão. Nunca tive guarda-costas. Estava em São Paulo, e precisava de segurança”.
MÉTODO – No Brasil, mais da metade da população é usuária do aplicativo WhatsApp. Para emplacar uma versão sobre determinado tema, basta disseminar o conteúdo nos grupos. Em plataformas como Twitter e Facebook, a popularidade de postagens, é impulsionada artificialmente por robôs ou “bots”, bem como “trolls” – perfis e blogueiros contratados. “Uma vez ‘impulsionada’, a narrativa é então propagada naturalmente pelas redes orgânicas, que são as pessoas de carne e osso que acreditam naquilo que está sendo veiculado”, diz a autora, que também foi vítima de ofensas do presidente Bolsonaro e filhos. Mas, além das plataformas e redes sociais, a disputa por narrativas também dispõe de mecanismos institucionais. E o Brasil tem seguido a receita da Hungria, isto é, o empenho por minar economicamente a imprensa, seja pelo corte da verba publicitária do governo federal, até pressão sobre os anunciantes, para que deixem de investir nos veículos que estão na mira do Palácio do Planalto. No cenário húngaro, a imprensa crítica foi praticamente banida pois, asfixiada economicamente, foi sendo adquirida por empresários afinados com o primeiro-ministro Orbán. Diante da ofensiva do poder que não admite o contraditório, Patrícia Campos Mello indaga: “Será que uma pandemia pode salvar o jornalismo?”.
RECONHECIMENTO ao jornalismo, conforme a escritora, está na citação de Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”. Na boa obra que enfatiza a necessidade de uma imprensa crítica e independente, vetor democrático que não pode ser sufocado, Patrícia Campos Mello apenas não identifica a cumplicidade de boa parte da grande mídia, com os arranjos para a deposição de Dilma Rousseff da Presidência em 2016, bem como às medidas antipopulares como a Reforma Trabalhista e o teto de gastos do governo Temer. Nesse ambiente, a extrema-direita chegou ao poder, e a imprensa que se vê agredida, é a mesma que passa pano para a política econômica neoliberal e excludente de Paulo Guedes.