LIVROS : Dignidade refugiada em contos e crônicas
Nesta terça a partir das 18h, autora Olga Pereira autografará duas obras na Livraria Vanguarda – Campus da UCPel
Por Carlos Cogoy
A solidão coletiva proporcionada pela tecnologia. “Selfies” arquivando o riso plástico. A linha do nosso tempo está repleta de ambiguidades, e algumas certezas. Entre elas, o embrutecimento, injustiça e desigualdade. Algumas das questões abordadas nas vinte crônicas do livro “Dias em que o EGO precisou dormir mais cedo” (139 páginas). Autoria da pesquisadora e escritora Olga Pereira, o lançamento acontecerá a partir das 18h na “Vanguarda Técnicos”. No Campus I da UCPel, a autora também estará autografando o volume de contos “O negro no espelho: legado e oralidade”. Na publicação, ela retoma a questão da “negritude”, que foi tema dos seus dois livros de estreia: “Reinterpretando silêncios: reflexões sobre a docência negra na cidade de Pelotas” (editora Nandyala); “Cicatrizes da Escravidão: da história ao silenciamento” (editora Um2). Os novos livros são publicações da editora Um2. Na programação desta terça, apresentação musical de Daniela Brizolara e Dena Vargas. Após o lançamento, as obras estarão disponíveis nas livrarias Vanguarda e Mundial. Também poderão ser adquiridas diretamente com a autora, sendo adicionado o custo do envio. Informações: (53) 8114.7019; (53) 8102.0005; (53) 8442.1809 ; (53) 3227.4496 e (53) 3278.9517. Emails: [email protected]; [email protected]
ESCREVER – Olga – doutora em letras pela UCPel -, conta que na adolescência participou de concursos literários. Mas, devido ao custo, não chegou a publicar em livro. Entre os autores e referenciais, destaca influências de Zygmunt Bauman, Mikhail Bakhtin, Kabengele Munanga, Mia Couto, Rubem Alves, Conceição Evaristo, Stuart Hall, Ariano Suassuna, Gandhi, Mandela, Carlos Moore, Milton Santos, Abdias do Nascimento, Jacques D’Adesky. A autora menciona: “Nunca pensei sobre qual seria o estilo literário que seguiria, no entanto, creio que em nenhum dos meus livros consigo fugir da crítica a uma realidade ainda tão perversa. Falo das dores do mundo, das desigualdades sociais e raciais. As fronteiras recriadas a todo instante, que afastam os seres humanos. Considero como realismo nada mágico, ainda que necessário acreditarmos na possibilidade de um mundo mais justo, sem segregações visíveis e invisíveis”. Acerca do ofício de escrever, ela acrescenta: “Geralmente escrevo à noite e nos fins de semana. Nunca faço rabiscos, costumo escrever direto na tela do computador. Sei que uma força superior está ao meu lado, orientando a todo instante. Em relação ao tempo que levo em cada conto, é algo muito relativo. E o livro ‘Negro no espelho: legado e oralidade’, não estava previsto para ser lançado neste ano. Foi escrito em menos de dois meses. E o que mais chamou a atenção é que, quando percebi, estava brotando sem que tivesse planejado o desenrolar de cada capítulo”. Para 2017, programa a escritora, lançamento de romance baseado em fato real.
DIGNIDADE – “Mesmo com alguns avanços significativos na legislação de amparo ao negro no Brasil, tenho de admitir que, enquanto não houver uma reflexão séria de combate ao racismo, essa realidade prosseguirá vitimando cada negro e negra em nossa sociedade. Temos de denunciar, não podemos fingir que se trata de assunto superado. Vivemos numa frágil democracia racial, como diz Munanga. Não podemos silenciar. O respeito ao outro deve ser efetivado hoje e sempre”, enfatiza Olga.
Alteridade na contramão da indiferença
No livro de crônicas, o prefácio é autoria do professor e escritor Oscar Brisolara. A escritora observa:
“O livro ‘Dias em que o ego precisou dormir mais cedo’, tem como objetivo instigar reflexões sobre o nosso papel enquanto seres humanos insatisfeitos, fragmentados e, por que não dizer, ingratos. É um apontar sobre temas que diariamente nos rodeiam e que, consciente ou inconscientemente, são naturalizados sem o devido comprometimento com a história do outro. Busca, sobremaneira, validar os pequenos gestos e atitudes que, no atropelo de uma sociedade conectada pela solidão, desconsidera o humano que dentro de nós sangra um pouco a cada dia. Um convite presente em cada capítulo para que saiamos desse processo constante de ingratidão.
Daí, então compreendermos que, enquanto a dor do outro não doer em nós, continuaremos alimentando esse ser estranho que persiste em segregar quem nasceu para viver em coletividade! É refletir que, na contramão de um querer consumista e descontrolado, muitos pesadelos são alimentados desconsiderando que, enquanto muitos dormem ao relento, outros tantos se reviram em camas-box!. É instigar reflexões sobre a necessidade de mais abraços e menos ‘selfies’. É parando na beira do cais, que realmente perceberemos como a vida é breve.
E precisamos acelerar a pressa que se concretiza através da preocupação com o outro. É filtrar valores essenciais na construção de um nós e, ao fazê-lo, perceber que existe um Alzheimer contemporâneo feroz, construindo fronteiras ao invés de pontes de aproximação. É validar as pausas necessárias com o intuito de frear a velocidade da indiferença, é refletir sobre as dores de mãe que, acolhidas através da alteridade, irá também nos fazer compreender que elas representam a dor da humanidade cada vez mais sequelada. Enfim, uma contribuição que compartilho e que somente será efetivada através do olhar e da sensibilidade de cada leitor e leitora. Como costumo dizer: são sementes que lanço em jardins diversos à procura de quem as acolham com carinho, responsabilidade e zelo”.
Ancestralidade e o encanto da escuta
No volume “O Negro no Espelho: legado e oralidade”, contos que ressaltam o valor da ancestralidade na cultura negra. A capa é autoria do artista plástico José Darci Gonçalves de Arroio Grande. A autora Olga explica sobre a temática que caracteriza a obra:
“No trabalho predomina a questão negra no que diz respeito à valorização da oralidade e o respeito aos mais velhos. O livro é construído a partir de dez capítulos. No primeiro capítulo, discorro sobre o verdadeiro sentido de família, aqui compreendido como a validação das histórias dos avós maternos e paternos. O segundo capítulo traz a história de Vovó Olinda e as trouxas de esperanças, reforçando o quanto de sapiência existe na voz daquelas que transformam a cultura da vida nas mais valiosas aprendências. No terceiro capítulo, Dalva e as Abayomis que, reforçam o sentimento que sempre é possível fazer algo independente de parcos recursos. O quarto capítulo ‘José: avô de Dalva e a história do velho curandeiro’, busca desconstruir rótulos e pré-conceitos nos fazendo perceber o quanto somos carentes do colo e do olhar afetuoso do outro. O quinto ‘Os filhos de Enam e Dalva conversando sobre oralidade’, é o reconhecimento e respeito a toda ancestralidade contida na história de vida dos avós maternos e paternos. Momento esse onde Enam, o pai dos quatros jovens negros, narra para os filhos o verdadeiro significado da herança cultural contida em cada narrativa que o acompanha desde seu nascimento. Nos capítulos seis, sete, oito e nove, os filhos de Enam e Dalva, reúnem-se para deixar como legado outras tantas histórias de amor, respeito e valorização à oralidade tão presente na trajetória de vida e de superação de cada negro e negra em nosso país. E, por fim, capítulo dez, ‘Vovó Olinda e o poder encantador da escuta’, é o momento onde os netos Makini, Shaira, Kito e Adila, esperam ansiosamente a chegada de vovó Olinda para que a mesma escute cada história e dê sua opinião a respeito do legado por eles deixado”.