O Farroupilha e a importância do lado social no futebol
Em época de pandemia, longe das grandes vitrines, os menores clubes, que deveriam ser os maiores no coração de suas comunidades, relatam as dificuldades
Por: Henrique König
O ano de 2020 invoca diversas reflexões no seio da sociedade. As dificuldades para trabalhadores e microempresários, os problemas de saúde pública, o afastamento obrigatório e prorrogado entre pessoas que tanto gostamos. O futebol de verdade está inserido neste contexto, assim como as demais modalidades esportivas. Longe do centro da atenção dos televisores nacional e internacionalmente, os pequenos clubes lutam contra a falência e seus funcionários buscam alternativas para o sustento das famílias.
Um dos coordenadores de base no Farroupilha e profissional da preparação física, Luciano Proença integraria a comissão técnica de Eugênio Lopes na Segunda Divisão Gaúcha, a Terceirona. O campeonato foi adiado, assim como a continuidade do Gauchão e da Divisão de Acesso – esta encerrada na decisão dos clubes com a FGF. A Terceirona ainda não está completamente descartada, mas tudo a leva a crer que o torneio não ocorra em 2020. De acordo com Luciano, uma alternativa para o fim do ano pode ser uma copinha, com formato reduzido e o mais regionalizado possível, para colocar em atividade os clubes interessados e com elencos. Mas os recursos para disputa e a premiação são pouco atrativos.
“Sem pleitear vaga nacional ou em maiores competições fica difícil. Estamos em questionamentos internos no Farroupilha”, declara Proença. O profissional relata que as dúvidas estão nos clubes da Terceirona, que lidam com as dificuldades para obter visibilidade, patrocínio e recursos para viagens, concentrações e treinos. Em 2020, mais do que nunca. “Se as pessoas, se as comunidades não mudarem o tratamento, pode ser o começo do fim para muitos clubes.”
E os clubes são compostos de pessoas que integram quadros profissionais, sejam comissões técnicas, secretarias, porteiros, massagistas, nutricionistas, até finalmente os protagonistas do campo, os atletas.
Luciano Proença conta que o Farroupilha formava para 2020 um grupo de jogadores do extremo sul, de Pelotas a outras cidades próximas, como Capão do Leão e Pedro Osório, com prioridade para os que pudessem e ir e vir diariamente. Com a pandemia e a interrupção do futebol no Tricolor, muitos jogadores buscam alternativas. Uns foram para o Maranhão, outro tenta carreira no exterior, mas a maioria tenta alavancar uma renda para sustento na própria cidade, entre serviços de entrega, construção civil e pequenas vendas.
“É a realidade para mais de 80% dos profissionais do futebol. O futebol está sendo tratado como bico nos clubes do interior. Se não houver mudança futura no calendário, será insustentável. São profissionais que atuam durante três ou quatro meses e no restante do ano precisam trabalhar com outras coisas.”
Traço o paralelo com as demais modalidades, como voleibol, basquete, handebol ou atletismo, em que os atletas e comissões técnicas se espelham no futebol, modalidade com maior visibilidade na imprensa e recursos de patrocínio. Mas ao invés dos demais esportes subirem degraus rumo à desejada profissionalização, o futebol do interior é que tem decaído, com a falta de interesse das empresas e a má distribuição de recursos causando o desemprego ou vagas somente temporárias, pelos três ou quatro meses mencionados por Proença.
“O torcedor precisa se reaproximar da realidade. O futebol com glamour da televisão está distante de nós. Agora com a pandemia, o futebol sem público perde o seu preceito popular, a sua história de participação do povo, está cada vez mais elitizado. Sem gente nos estádios, só acompanha hoje quem tenha canais por assinatura ou internet de qualidade em casa.”
O caminho para resgatar os clubes é fazer as comunidades entenderem a realidade das equipes menores, entenderem que nos clubes há pessoas que precisam de apoio, dos empregos para sustentarem famílias. O futebol do interior já definhava e, com a pandemia, a separação com os maiores clubes escancarou o abismo.
“Hoje muita gente não liga, mas futuramente os próprios clubes grandes vão sentir o efeito, porque os atletas dos grandes centros muitas vezes vêm dos clubes menores, do interior e, se eles não jogarem pelo interior, como serão descobertos?”, questiona Proença.
O Farroupilha está há um ano e meio sem jogos oficiais dos profissionais e não sabe quando volta a campo. O Diário da Manhã demarca o compromisso em ouvir e contar as histórias dos atletas e funcionários que desejam fazer parte das campanhas pelo Tricolor e seguir a vida nesse momento tão difícil para o povo brasileiro.