O saudosismo do charque e a recuperação de uma atividade que morreu com o tempo
As charqueadas conservadas até os dias de hoje em Pelotas dizem muito sobre a história da cidade. Situadas às margens dos arroios Pelotas, Santa Bárbara, Moreira e do canal São Gonçalo, se consolidaram no século XIX.
Ao contrário do que se possa pensar, não se criavam bois nas charqueadas – os mesmos eram provenientes de toda campanha rio-grandense.
Do gado tudo era aproveitado; desde a carne até o sangue. O método de secar e salgar a carne no sol era uma alternativa para o aproveitamento da carne, visto que as condições de refrigeração eram precárias. O charque era utilizado como alimento para escravos de todo o Brasil e dos demais países que adotavam o sistema escravocrata. A produção, porém, era quase exclusiva do Brasil – e dentro do país a mais rentável era a pelotense.
Apesar da Lei Áurea de 1888, a escravidão só veio a ter fim no Brasil anos após – e até hoje pode-se perceber resquícios a partir da desigualdade social e racial do país. Anos e anos após, a indústria do charque vai perdendo aos poucos sua força. Sendo assim, uma por uma das charqueadas começam a ser desativadas. A grande maioria foi derrubada, restando apenas a Charqueada São João, Santa Rita, Boa Vista e Costa do Abolengo.
TRADIÇÃO
Assim como o churrasco ou o chimarrão, o charque é uma comida típica que fez e faz parte da culinária gaúcha. Dois grandes desafios para os apreciadores hoje em dia são; encontrar o charque para comprar e que este seja de qualidade. A cidade, que foi a maior produtora de charque do país, hoje em dia não possui nenhuma empresa sequer que produza a carne. Situação que já está caminhando para a mudança.
INCENTIVO
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural traçou como objetivo fortalecer o setor de desenvolvimento rural pelotense, fomentando e incentivando a agroindústria local. Por meio de ações, a Secretaria tem como objetivo auxiliar interessados à abrir micro e pequenas empresas no município – para que o número destas aumente de forma significativa.
A meta inicial, que era de 30 novas empresas em quatro anos, promete ser superada em curto período de tempo, visto que em apenas seis meses 46 novas empresas estão em andamento.
Telmo Lena, diretor técnico, explica o que mudou na postura da Secretaria; “Antes as pessoas interessadas em abrir novas empresas vinham aqui pedir informações e nós entregávamos um papel que dizia toda a documentação necessária. Hoje em dia, nós recebemos o interessado e desenhamos o projeto junto a ele para que ele se sinta mais seguro e para que tenha mais garantia de sucesso.”. O desenho do projeto citado pelo diretor técnico refere-se ao desenho da planta, escolha do layout de produção, escolha de equipamentos e toda a questão burocrática de documentação necessária para o procedimento. O projeto abrange não só a produção de charque como também de vegetais, sucos, leite, mel, ovos , abatedouro (de frango, rês e porco), embutidos de carne e panificação.
RESULTADOS
A partir do auxílio prestado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural, seis novas empresas de produção de charque estão em andamento para entrarem em atividade. O termo de inspeção municipal obtido delimita a comercialização na cidade de Pelotas. Porém, existe um projeto de adesão à SUSAF (Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação), que pretende expandir à venda para todo o estado do Rio Grande do Sul. O gado provedor do charque será obtido através dos nove abatedouros existentes na cidade, sendo um licenciado no primeiro semestre do projeto de auxílio ao desenvolvimento rural.
Falar da história de Pelotas e não comentar as crueldades que ocorreram nas charqueadas é uma tarefa impossível. No ano de 1873, 38 charqueadas existiam em Pelotas – e a média era de 80 escravos por propriedade. A cidade respirava escravidão e cheirava à tortura. Nos dias de hoje pode-se resgatar uma parte da história dos negros que foram forçados a trabalhar na indústria do charque ao visitar as charqueadas conservadas. As minúsculas e úmidas senzalas que mantinham os escravos trancafiados foram conservadas. Diversas atividades são promovidas no local – inclusive de cunho cultural, histórico e artístico, que buscam retratar a realidade do período escravista. Além das atividades, as charqueadas se tornaram pontos turísticos da cidade para aqueles que buscam conhecer a história de Pelotas – contendo até mesmo opções de hospedagem, como no caso da Charqueada Santa Rita.
Por Martha Gonçalves