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sábado, 28 de dezembro de 2024

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PATRIMÔNIO CULTURAL : Diversidade étnico-religiosa aqui e além-mar

02 abril
13:00 2015

Pesquisadora pelotense Rosemar Lemos realiza pós-doutorado na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

Por Carlos Cogoy

Guerreira Rosemar Gomes Lemos está em Portugal. Acompanhada pelo marido Claudinei – formou-se em direito poucos dias antes do embarque para a Europa -, e o filho Renan, uma das poucas professoras negras da UFPel, desde o começo do ano está cursando o pós-doutorado. No Programa de Pós-graduação em Ciências da Arte e do Patrimônio, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, a pelotense desenvolve a pesquisa “Patrimônio, cultura e sustentabilidade: análise da construção identitária e social nas cidades litorâneas no processo de globalização – Pelotas (BR) e Setúbal (PT)”.

Claudinei Lemos e esposa Rosemar Gomes Lemos que cursa pós-doutorado em Setúbal

Claudinei Lemos e esposa Rosemar Gomes Lemos que cursa pós-doutorado em Setúbal

A orientação está a cargo do prof. Fernando Antônio Baptista Pereira. Rosemar ao final de 2013, encaminhou à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC), proposta de estágio de pós-doutorado. Ela recorda a alegria ao saber de mais uma conquista na trajetória de inúmeras superações: “Parecia algo impossível cursar o pós-doutorado patrocinado pela CAPES, pesquisando sobre um tema que envolve manifestações culturais negras e ciganas no Brasil e em Portugal. Mas chegou o e-mail informando: ‘A CAPES tem a satisfação de informar a aprovação do Estágio Pós-Doutoral no exterior de 1/2015 a 12/2015, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa/Portugal’”. Até chegar nessa etapa, porém, a então menina cujos avós eram analfabetos, pai que não concluiu o ensino fundamental, e tias que trabalhavam como domésticas, teve de enfrentar preconceitos econômico e racial. Ao DM ela conta sobre a pesquisa que aproxima o sul do Brasil e sudeste de Portugal, a trajetória pessoal e o lema que mantém sua abnegação: “Não sabia que era impossível, então foi lá e fez”.

FAMÍLIA – Em Portugal, o marido Claudinei realizará especialização na área jurídica. Já o filho Renan, desde o começo de fevereiro, cursa artes visuais na escola secundária José Gomes Ferreira. Sobre a trajetória familiar: “Minha origem é humilde, com avós analfabetos pois não tiveram a possibilidade de estudar. Minha mãe e meu pai tiveram oportunidades diferentes. Percebendo que a educação era a única forma de ascender socialmente, lutaram para que seus filhos permanecessem na escola. Meu pai não concluiu o nível fundamental, mas ajudou minha mãe, trabalhando, sem hora pra começar ou parar, a fim de sustentar os seus estudos e a família, pois somos quatro irmãos, três filhas e um filho.  Quando criança, como na minha família haviam muitas tias que trabalhavam como empregadas domésticas, ia com elas até seus empregos e prometia pra mim mesma que um dia teria tudo que via por lá. E jurava que daria vida de luxo à minha avó Celina. Ela cuidava das netas para que minha mãe pudesse, inicialmente estudar, e posteriormente trabalhar. Eu pretendia estudar, cursar a faculdade e ter um bom salário a fim de obter uma linda casa. Para tanto estudava muito, mesmo não sendo exigida pela minha mãe, que trabalhava toda semana fora de Pelotas”.

EDUCAÇÃO – Professores foram determinantes no estímulo à aluna Rosemar: “Ao concluir a 5ª série na Escola Estadual Leivas Leite, uma de minhas professoras perguntou quem gostaria de estudar no Colégio Pelotense. Como ela também lecionava lá, ajudaria para a conquista da vaga. Prontamente falei que queria e pedi à minha mãe que encaminhasse tudo que fosse necessário para tal. Então, estudei no Pelotense da 6ª série ao 3ª ano do 2º grau, quando fiz Curso de Decoração de Interiores. E novamente um professor ofereceu, para quem não tivesse condições de pagar, bolsas de estudo para realização de um curso pré-vestibular. Novamente aproveitei a oportunidade e pedi a ele uma vaga, que me foi concedida e muito bem aproveitada porque, em 1984 ingressei no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPel. Lá aprendi, primeiramente, que a Faculdade de Arquitetura não era para os desprivilegiados economicamente, mas, como depois que entro na guerra, não desisto bem assim, juntei-me a outros colegas na mesma condição que eu, e lutamos unidos até a sonhada formatura”.

FAMÍLIA unida: Claudinei, Renan, Rosemar e Lisiane

FAMÍLIA unida: Claudinei, Renan, Rosemar e Lisiane

FORMATURA – Episódio marcou a chegada da formatura em arquitetura: “Em relação ao preconceito racial, há, isso é pra vida toda, e a gente acaba acostumando e desenvolvendo estratégias, de ataque, de defesa, de convencimento. Na escola, na faculdade, durante a minha formação, houve muitos casos.  Entre tantos fatos, posso citar a situação de conflito quando exigi que meu pai, mesmo não tendo curso superior, me entregasse o diploma de arquiteta”.

PESQUISA – O preconceito não tem hora e lugar. Rosemar acrescenta: “Foi muito difícil chegar aqui, em razão também do preconceito. Fui surpreendida em 2014 com comportamentos, palavras e ações que jamais supunha verificar, mas felizmente estou aqui. São muitos brasileiros vivendo e trabalhando em Portugal, o que me faz, por vezes, sentir-me em casa, eles dão dicas de lugares aonde poderei ir para encontrar manifestações culturais negras e ciganas, o foco de minha investigação.  Meu objetivo é enfocar o intercâmbio entre as culturas negras portuguesa e brasileira, o que tenho pesquisado muito e repassado ao grupo de pesquisa da UFPel, que conjuntamente está realizando a investigação. Serão muitas manifestações religiosas das quais participarei durante o ano, produzindo material didático para as escolas de Portugal e do sul do Brasil. Portanto, o planejamento e o conhecimento das culturas serão fundamentais para o sucesso da ação e neste momento, conhecer os pesquisadores de Portugal que investigam sobre este tema, está sendo fundamental”.

CARREIRA – Na trajetória de Rosemar, mestrado em química pela UFPel, doutorado em engenharia civil pela UFRGS, PhD pela Universidade de Aveiro (2005). Anos noventa, trabalhou na Prefeitura. Em 2001, ingresso no IFSul, onde lecionou geometria descritiva, desenho técnico e propriedade dos materiais. Na Escola Estadual Areal, além de professora de matemática e química, idealizou e coordenou o projeto “De mãos dadas com nossas raízes e nossos irmãos” – cumprimento da Lei 10.639, história e cultura afro-brasileira. Em 2006, aprovada em concurso para lecionar no curso de arquitetura da UFPel. Dois anos depois, já como professora adjunta, criou o grupo de extensão e pesquisa “Design, escola e arte”. Atualmente está vinculada ao Centro de Artes (CEARTES/UFPel). No ensino superior, docente de geometria descritiva, desenho técnico, arte e cultura afrobrasileira, arte, cultura e diversidade, cadastro técnico multifinalitário.

SECONEP – Desde 2009, Rosemar está à frente do projeto de extensão universitária Seminário da Consciência Negra de Pelotas (SECONEP). “Ser negro é superação, é provar diariamente que podemos, que somos capazes de, é forçar a porta que tantas vezes tentam fechar à nossa frente. Mas não podemos desistir. Sentar, chorar, rezar e levantar novamente pra seguir lutando, lutando por nós, pelas nossas famílias, pelas crianças negras, que tantas vezes sofrem preconceito e não tem quem as defendam”, conclui.

 

 

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