Pelotas e o futuro : Um desafio para todos nós
Para grande parte da população pode parecer paradoxal o momento vivido por Pelotas. De um lado, obras em andamento nos mais diversos setores, o calçadão totalmente reformado entregue há poucos dias, o Sete de Abril sendo restaurado, a Praça central requalificada, obras de saneamento e pavimentação sendo executadas em vários bairros, quatro escolas em construção, projetos de regularização fundiária levando novas esperanças às famílias em diversas regiões da cidade e, ao mesmo tempo, uma crise que se anuncia, cujo mais recente e mais grave sintoma se manifestou com o anúncio do atraso dos salários de uma parcela significativa dos servidores públicos.
Todos aqueles que administraram Pelotas em décadas recentes sabem as reais e profundas causas para essa crise. Ela não começou agora, mas se estabeleceu aos poucos, e se estendeu por anos, corroendo as estruturas das finanças municipais que clamam há muito por reformas que lhes garantam a necessária sustentabilidade. Tem sido assim com a previdência dos servidores municipais. O sistema atual apresenta gravíssimas distorções e é insustentável, pois boa parte dos beneficiários jamais contribuiu para a Previdência. A segmentação de massas, feita no Governo Fetter, no ano de 2010, permitiu uma sobrevida, mas todos sabiam que seria temporária. Estudamos agora outra reforma, que também poderá dar novo fôlego, mas dificilmente conseguirá resolver definitivamente o problema, que provocou um aumento de 1000% nas despesas com previdência em 6 anos. Tive a oportunidade de dizer aos municipários, ainda em 2016, abaixo de sonora vaia, que esse tema precisaria ser tratado dentro do meu governo, no debate promovido pelo SIMP durante a campanha eleitoral.
Da mesma forma, desde 2008, quando foi instituído o Piso Nacional do Magistério, o município estuda formas de viabilizá-lo, a partir do que a própria lei do piso prevê, ou seja, a revisão do Plano de Carreira dos professores. Uma tentativa foi feita no governo Fetter, que encaminhou proposta de alteração ao Plano em 2012, a qual foi sumariamente rejeitada pelo Sindicato dos Municipários e sequer apreciada pelo Poder Legislativo. Talvez estivéssemos vivendo outro momento caso o projeto tivesse sido aprovado naquela ocasião. No governo Eduardo, com a atualização da Planta de Valores do IPTU, medida prevista pela legislação, as receitas melhoraram e foi possível garantir investimentos e sustentar as despesas crescentes, o que evitou que a crise, que já começava a deteriorar mais sensivelmente as finanças públicas, se manifestasse naquele momento. Em 2017, com a PEC aprovada pelo Congresso Nacional relativamente aos precatórios, Pelotas viu crescer seus pagamentos em 100%, chegando hoje já a 130%. Há, ainda, a dívida com a CEEE. Praticamente todos os municípios fizeram acordos com a Companhia no início dos anos 2000 a fim de saldar suas dívidas. Pelotas também assinou um acordo, durante o Governo Marroni, porém nunca o cumpriu. No Governo Fetter o município moveu ação contra a CEEE contestando o tempo de duração da iluminação. Tal processo se arrastou por vários anos e, finalmente, em 2018, perdemos na última instância e sofremos um aumento de 200% na conta de iluminação pública. Somos hoje o maior devedor da CEEE, que nos exige uma proposta de pagamento da dívida, sob pena de buscar na fonte nossos recursos de retorno de ICMS, uma das maiores receitas municipais.
O assunto aqui tratado pode ser árido, mas é de vital importância para o futuro de Pelotas e precisa ser compartilhado com todos. Esse não é um problema da Prefeitura ou do gestor do momento, mas um desafio para todo o município. Tenho falado sobre isso desde que assumi a Prefeitura, seja em entrevistas, em reuniões com o Sindicato dos servidores, em eventos variados, como na palestra que dei durante a Semana de Pelotas na ACP no último mês de julho. A surpresa que muitos manifestaram quando do anúncio do atraso de salários me fez ver que minhas palavras não eram ouvidas, talvez porque tenhamos ao mesmo tempo essa onda de investimentos públicos da qual falava no início deste artigo. Ninguém quis acreditar. Esses investimentos, no entanto, são fruto da busca de recursos através de editais federais, de financiamentos que obtivemos junto à União e a instituições financeiras. Eles são importantes, porque têm transformado a cidade, melhorado a qualidade de vida da população e criado um ambiente atrativo a investimentos privados, que também vão nos ajudar a sair da crise.
A Prefeitura tem feito seu dever de casa: conseguimos fazer crescer a receita em 23 milhões no ano de 2018 e em 22 milhões até agosto de 2019; reduzimos despesas de custeio, horas-extras, combustíveis, viagens e diárias. Nosso gasto com CCs, que representava mais de 7% da folha, hoje não chega a 6%. Encaminhamos dois projetos fundamentais no ano passado para apreciação da Câmara de Vereadores, um que tratava da remuneração dos servidores, corrigia distorções e nos permitia pagar o Piso Nacional do Magistério dentro de padrões suportáveis aos cofres públicos, e outro que instituía a contribuição sobre iluminação pública, COSIP, tributo pago por praticamente 80% da população do país. A este último projeto, associávamos a instituição de uma PPP, que permitiria fazer uma transformação completa no sistema de iluminação pública de Pelotas, instalando lâmpadas de LED por toda a cidade, a partir dos bairros em direção ao centro. A COSIP nos permitiria melhorar a iluminação pública e saldar dentro de alguns anos a dívida com a CEEE, ameaça real que se fará sentir em breve. A não aprovação dos projetos nos impôs grande dificuldade neste ano. Lutamos de todas as formas para evitar o atraso nos salários, mas isso não foi mais possível. Estes têm sido os dias mais difíceis de minha vida pública: sofro pensando em cada servidor que não recebeu no dia previsto e o que isso representa e impõe de prejuízos e de angústias.
Meu papel como gestora pública, eleita pela população para buscar caminhos e soluções para Pelotas é o de não desistir. Precisamos mais do que nunca entender o que nos trouxe até aqui e o que nos pode fazer avançar. Tenho a coragem e a serenidade para fazer o que precisa ser feito e, se pudesse, enfrentaria sozinha todos os ônus políticos que as ações corretivas viessem a impor. Infelizmente, nossa organização político-administrativa não permite isso. As decisões precisam ser compartilhadas e assim o serão. Precisaremos estar à altura do que o momento histórico exige de cada um de nós; as futuras gerações de servidores públicos e de cidadãos esperam isso de nós e por isso seremos cobrados. Desejo que Pelotas tenha maturidade, sabedoria e força para resolver seus problemas e seguir em frente. Nossa cidade é linda, cheia de potencialidades, de diversidade, tem um povo talentoso e trabalhador e um futuro de prosperidade e justiça social que está nos esperando e o qual todos merecemos. Saibamos construí-lo todos juntos.
Paula Schild Mascarenhas
Prefeita de Pelotas