Pelotas tem espaço definido para sediar o Centro de Reintegração Social – um dos pioneiros do Estado
O Centro de Reintegração Social (CRS) vinculado à Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) Pelotas está prestes a ter seu endereço garantido. O pedido de posse do imóvel – oriundo de uma execução fiscal do Estado – já passou pelas etapas administrativas, tramitando agora o pedido de adjudicação no âmbito judicial.
O terreno, localizado na avenida Presidente João Gourlart (próximo ao Centro de Eventos da Fenadoce), tem 45,9 mil metros quadrados e 12,3 mil metros quadrados de área construída. O projeto de adequação do espaço está em construção, e a área é ideal para criação de uma das maiores Apac do mundo.
Para isso, foi necessária uma articulação com os setores da sociedade, uma vez que a Apac não é de uma entidade específica, mas sim, de diversas representações, conforme explica o idealizador do Mão de Obra Prisional (MOP) e presidente da Apac, Leandro Thurow. O status de entidade jurídica foi oficialmente conferido em março deste ano, após a eleição e posse diretiva da Associação.
O começo
O desejo de implementar um modelo prisional alternativo no município, com foco na recuperação de apenados, é reflexo de uma história que começou em 2014. As condições precárias de atendimento odontológico no Presídio Regional de Pelotas (PRP), sob responsabilidade da Secretaria de Saúde (SMS), impulsionaram a Prefeitura a buscar medidas rápidas.
A solução surgiu com a ideia de a Prefeitura custear o material, tendo a força de trabalho viabilizada pelos próprios presos. Nasceu assim o projeto Mão de Obra Prisional que hoje, consolidado na cidade e com três premiações nacionais, contabiliza a reforma de 21 unidades de saúde e o envolvimento de cerca de 70 apenados em 34 meses de atuação.
A experiência adquirida com os anos de trabalho é uma das ações de prevenção terciária do Pacto Pelotas pela Paz, através do programa Segunda Chance. Em setembro de 2017, o eixo preventivo ganhou reforço com a iniciativa da Prefeitura de instituir uma Apac na cidade.
Troca de experiências
Na quarta-feira (1º), uma comitiva de Pelotas marcou presença no II Encontro das Apac do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, que promoveu o debate sobre a realidade do sistema prisional. Thurow, um dos painelistas do evento, afirmou que o encontro proporcionou o compartilhamento de experiências e conhecimentos.
Foi uma oportunidade para reafirmar que a Apac não é a solução ao caos do modelo tradicional, mas sim, a única alternativa comprovadamente eficaz. É preciso conhecer o método para entender o sucesso da aplicação da metodologia, que resulta em até 90% de reinserção social, sem reincidências”, acrescentou.
Metodologia humanizada
A abordagem diferenciada do método apaqueano é evidenciada na forma como o apenado é denominado: dentro do CRS não existem detentos, mas sim, recuperandos que, vale ressaltar, custam aos cofres públicos um terço do valor investido com o preso comum. O tratamento humanizado é uma das características do modelo, que prioriza a individualidade e a disciplina, acima de tudo. Outro diferencial é o grupo reduzido de agentes, que no local é representado pela figura do inspetor de segurança. Não são utilizadas armas e os próprios ocupantes da Apac avaliam a maioria das infrações cometidas, através do Conselho de Sinceridade e Solidariedade.
“Não é a intenção fazer com que o preso esqueça que cumpre pena. Ele está com privação de liberdade, não de dignidade. Essa é a grande diferença. Os próprios recuperandos se corresponsabilizam com a gestão, uma vez que se há desvio de conduta por parte de um, todos sofrem as consequências. Por isso, o modelo alternativo não funciona separado do convencional, pois não tendo adaptação às regras exigidas pelo método da Apac, ele retorna ao presídio comum”, disse Thurow.
Consumo de drogas, uso de celulares, indisciplina e desinteresse no estudo regular (uma das exigências da Apac), são fatores que acarretam o retorno. O Conselho é responsável pela avaliação de 85% das infrações, a Apac delibera 10% e o Poder Judiciário, 5%.
Construção coletiva
Em Pelotas, o CRS começará com a transferência de dois presos, selecionados pelo juiz, que devem estar em sua primeira condenação por crimes não-violentos. Eles serão capacitados para trabalhar na requalificação do local e serão os primeiros a experimentar a metodologia; depois de formado o grupo inicial e consolidada a técnica, poderão ser transferidos apenados cumprindo sentenças de qualquer crime – violento ou não; de primeira, segunda ou terceira condenação.
O método ainda prevê a instalação de empresas no local, oportunizando mercado de trabalho aos recuperandos. “O comércio fica atento aos egressos do sistema prisional da Apac porque sabem que são funcionários disciplinados. A produção por hora é muito maior do que em qualquer outro lugar, justamente pelo foco”, aponta o presidente.
Vida social
“A Apac entende que a família é o principal suporte para o recuperando, por isso os vínculos familiares são priorizados dentro desse formato prisional”, explica Thurow. Ele justifica que, diferente do modelo convencional, todos os familiares, independente do grau de parentesco, são bem-vindos: tios, primos, sobrinhos – todos que colaboram para o fortalecimento e amparo do recuperando.
Atividades culturais e de lazer, atendimento médico e odontológico, trabalho e estudo preenchem a rotina dos recuperandos, que veem nisso uma oportunidade de reaprender a viver coletivamente. “A lógica é que lá dentro seja uma vida em sociedade, onde se aprenda a proteger uns aos outros, para que todos possam crescer juntos e produzir bons resultados”, considera.
Alternativa
Minas Gerais é referência na implantação do modelo Apac no Brasil. O Estado já contabiliza 40 Associações – das 50 constituídas no país. No Rio Grande do Sul, quatro já foram criadas; a capital também trabalha para inaugurar o seu CRS ainda neste ano – Pelotas e Porto Alegre devem ser as primeiras cidades do Estado a inaugurarem o Centro. Considerando que, nos últimos 12 anos, a população carcerária no Brasil dobrou e que o RS já possui quase 40 mil presidiários, Leandro Thurow afirma:
“As pessoas estão começando a entender que o sistema prisional é um problema da sociedade. Toda pessoa que está presa vai voltar ao convívio social e os índices, atualmente, são péssimos, já que a cada 10 que saem em liberdade, oito reincidem e voltam ao presídio – normalmente, cometendo crimes mais violentos”, conclui.