Prefeito pede audiência sobre consultoria mas não comparece
Vereadores, professores e comunidade escolar não se convencem com explicações
Depois de quase cinco horas de debate, a Câmara de Vereadores não se convenceu dos benefícios do contrato firmado entre a Prefeitura de Pelotas e a Falconi Consultores, ou INDG, por R$ 2, 1 milhões, para melhorar os índices de desenvolvimento da educação básica (Ideb), na rede municipal de ensino.
A insuficiência de dados foi tanta que o vereador Marcos Ferreira (PT), solicitou ao presidente do Legislativo, vereador Ademar Ornel (DEM), que hoje, seja examinada proposta para criação de uma comissão especial de acompanhamento dos serviços da empresa em Pelotas.
Marcola também solicitou que o Legislativo encaminhe moção de repúdio ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas pela forma como foi feito o contrato: sem licitação e sem que fossem ouvidos o secretário municipal de Educação, Gilberto Garcias, a comunidade escolar, as instituições de ensino, o Conselho Municipal de Educação e a Câmara de Vereadores.
O prefeito Eduardo Leite, autor do pedido para a audiência pública, não compareceu, apesar de a reunião ter iniciado por volta de 10h30 e ter encerrado às 15h. Sua ausência foi criticada pelos vereadores, pelos convidados e pelo público. Para surpresa dos parlamentares e dos demais convidados, bem como dos professores que lotaram o plenário, não foi o secretário de Educação, Gilberto Garcias, quem o representou no evento. Em seu lugar, falou o assessor técnico do gabinete do prefeito, Sadi Sapper.
O presidente do Legislativo, Ademar Ornel, considerou um desrespeito a Pelotas a contratação sem que a comunidade escolar fosse consultada, ou a Câmara, ou as instituições de ensino. “Inverteram a ordem, quem deveria dizer o que é prioridade é a base, e não os de cima”, afirmou Ornel.
Ele também afirmou que o contrato se baseou em uma vinculação política e que, “se dependesse da aprovação da Câmara, com certeza seria rejeitado por unanimidade”. Enfático, o presidente do Legislativo disse que “antes de buscar alguém para dizer o que fazer em Pelotas teria que buscar o que temos aqui, como o Necim, que dá consultoria no Chile, na Espanha e em Portugal; as universidades, o IFSul”.
APRESENTAÇÃO – Coube ao vereador Marcus Cunha (PDT) fazer a apresentação do Legislativo sobre a audiência pública. O parlamentar foi direto às questões que têm preocupado a Câmara desde a divulgação do contrato. Ele pediu que os representantes da Falconi Consultores explicassem se a Secretaria Municipal de Educação é incompetente, ou se não tem lideranças capazes de implementar políticas para melhorar o Ideb no município.
“O nosso secretário Gilberto Garcias é incompetente para o cargo?”, questionou Marcus Cunha. “Não teríamos em Pelotas pessoas habilitadas, doutores em educação na UFPel, UCPel, no IFSUL, para realizar esta tarefa? As universidades foram procuradas antes da consultoria ser contratada? Porque procurar justamente essa empresa? Ela tem notória especialização para nos dar lições?”, questionou o vereador.
Cunha também questionou os documentos apresentados pela empresa, afirmando que não encontrou “nenhum resultado dos seus trabalhos em outros municípios”.
Estava dado o tom das manifestações. A professora Elza Zabala da Silva, representando o Conselho Municipal de Educação foi direta: “este contrato nos pegou de surpresa.
Porque o Conselho não foi informado? Um contrato sem licitação deveria ter passado pelo Conselho”, afirmou a professora.
INDIGNAÇÃO – Com o plenário lotado por professores e diretores de escolas, o professor Vitor Manzke, do Núcleo de Estudos em Ciências e Matemática do Cavg/IFSul, iniciou sua fala registrando “a indignação com o que tem sido dito a respeito das nossas instituições públicas de ensino. Não são lerdas nem incompetentes, como muitos querem fazer crer”, afirmou.
Manzke também mostrou todo o trabalho desenvolvido pelo Necim no Programa de Apoio ao Setor Educativo do Mercosul, com atuação no Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil, do qual ele é o representante, as consultorias na Capes e no Mec, com a coordenação e avaliação do Prêmio Professores do Brasil, onde são analisados mais de três mil projetos de professores do ensino básico público. “O Necim tem 15 professores doutores, de um quadro de 20 docentes”, disse Vitor Manzke.
Ele afirmou ainda que, com os R$ 2,1 milhões que a Prefeitura está desembolsando com o contrato, poderiam ser pagas bolsas de estudo para os professores da rede municipal de ensino estudarem e se qualificarem mais.
SURPRESO – A Falconi enviou três representantes para defendê-la na audiência pública da Câmara Municipal de Pelotas. Mas, somente o consultor jurídico se manifestou. Bruno Muragem subiu à tribuna e começou sua manifestação considerando “inusitada” para a Falconi a situação que estavam vivendo. “Uma empresa que atua em vários países, que tem contratos firmados com municípios, estados e com o governo federal, que é especialista em gestão, nunca tínhamos nos deparado com isso”, afirmou.
E, num tom de ironia, completou: “vamos aproveitar a crise como uma oportunidade para melhorar nossa forma de comunicação”. O advogado, que é gaúcho, deixou claro que a Falconi não está interessada em políticas educacionais que se preocupam com o aluno ou com o professor, mas em “gestão de educação”.
“A Falconi ganha dinheiro? Ganha, porque é líder de mercado. Nossos valores são compatíveis com o mercado. Nosso sucesso é que temos uma estratégia que se compromete com o resultado. Identificamos uma meta na educação, que tem a recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, órgão internacional), e eles (a Prefeitura), identificaram a necessidade de atingir essa meta. Trabalhamos nisso muito bem”, argumentou o advogado Bruno Miragem.
Mas seus argumentos foram contestados pela professora Maria de Fátima Cóssio, da Faculdade de Educação da UFPel. “Quando o assessor jurídico se diz surpreso com a manifestação de nossa cidade, eu é que fico surpresa e feliz que Pelotas tenha reagido ao que vem proliferando em nosso país”, disse Fátima Cóssio.
A professora salientou que não questionava a expertise empresarial da Falconi, mas “escola não pode ser confundida com empresa. Escola não pode visar lucro. O mais preocupante é: qual o perfil formativo que queremos para nossas escolas? Um perfil empresarial?”
SINDICATO – Ao representar os professores da rede municipal de ensino, o Sindicato dos Municipários fez uma série de questionamentos: porque a comunidade escolar não foi ouvida? “A Prefeitura se gaba de estar fazendo economia de receita, mas para isso não paga o piso nacional dos professores; existem trabalhadores da educação que não recebem nem salário mínimo; o salário-educação, do qual sairão os R$ 2,1 milhões para pagar a consultoria, poderia ser empregado para a construção de escolas, ao invés de a Prefeitura alugar contêineres como salas de aula; se o Ideb em Pelotas permanecer igual ou piorar, a Falconi devolverá os recursos ao município?”, indagou Botelho.
QUESTIONAMENTOS – Muitas questões foram levantadas pelos vereadores ao longo da audiência pública. Anselmo Rodrigues, Professor Adinho, Marcola, Ivan Duarte, Tenente Bruno, Ricardo Santos, Antonio Peres, Anderson Garcia, Rafael Amaral, Luiz Viana e Vitor Paladini se manifestaram com colocações sobre o contrato. Todos reconheceram a importância das instituições de ensino de Pelotas.
Muitos vereadores consideraram desnecessária a presença dos representantes da Falconi. “Quem deveria estar aqui para se explicar era o prefeito. A Falconi poderia estar no Rio de Janeiro ou em Brasília”, afirmou Adinho.
Anselmo Rodrigues foi mais longe. Ele disse ao assessor jurídico, Bruno Miragem, que ele não conhecia a realidade de Pelotas. “O senhor não sabe dos assassinatos na saúde pública, do caso da avenida Fernando Osório, do Pop Center, do programa Minha Casa, meu inferno, nem que vamos fritar o cérebro de nossas crianças nos contêiners”.
Para Ivan Duarte, o processo entre a Prefeitura e a Falconi “já esta sacramentado desde o ano passado, com a cartilha lançada pelo prefeito (da gestão 2014/2017, produzida pela empresa)”. O vereador afirmou que esse processo foi “feito em silêncio, a cidade não sabia, a Câmara não sabia, sem nenhuma transparência”. Ricardo Santos pediu que o Ministério Público se posicione, porque o contrato foi feito sem consultar as partes interessadas, como a comunidade escolar, e depois “o prefeito procura a Câmara e pede uma audiência pública à qual ele mesmo não comparece.