Diário da Manhã

terça, 22 de outubro de 2024

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Rejeitada denúncia de promotor contra filho e ex-marido

16 dezembro
09:04 2015

O juiz Paulo Ivan Medeiros rejeitou a denúncia do Ministério Público contra o ex-marido de Cláudia, João Morato Fernandes e seu filho, João Félix Hartleben Fernandes.

De acordo com informações o juiz rejeitou o pedido por ausência de materialidade dos ilícitos penais.O promotor José Olavo Passos deve recorrer ao Tribunal de Justiça do RS com Recurso em Sentido Estrito, para tentar rever a decisão da justiça.

PARECER DO JUIZ – Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público contra João Morato Fernandes e João Félix Hartleben Fernandes, pela prática dos delitos de homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver, figurando como vítima Cláudia Pinho Hartleben, respectivamente, ex-mulher e mãe dos denunciados. Cláudia Pinho Hartleben desapareceu no dia 09/04/2015, em horário não determinado no inquérito policial, de sua residência, situada na Av. Fernando Osório, nº 3436, Bairro Três Vendas.

PAULO Ivan Foto de Alisson Assumpção/DM

PAULO Ivan
Foto de Alisson Assumpção/DM

Analiso os fundamentos expostos na peça acusatória. Cláudia, pelo que foi apurado no inquérito policial, saiu da casa de Eliza Rossi Komninou, localizada na Rua Rafael Pinto Bandeira, nº 1796, dirigindo-se à sua residência. A partir daí, não foi mais encontrada. Foi constatado que ela chegou a entrar em casa, uma vez que seus objetos de uso pessoal ali se encontravam: carteira de cigarros, roupas e os chinelos que ela usara durante o dia, notebook, um absorvente higiênico feminino usado, anéis e semi-joias acondicionados dentro de um copo, bem como uma xícara de café, há pouco ingerido. Na residência de Cláudia, se encontrava apenas seu filho, o denunciado João Félix. Não foram constatados indícios de violência, no interior da casa, nem a mãe de Cláudia, que mora ao lado, ouviu qualquer barulho estranho. Aparentemente, ela não tinha motivo para afastar-se definitivamente da cidade, sem qualquer comunicação aos seus familiares e aos colegas de trabalho da UFPel, como bem apontado pelo  Promotor de Justiça na peça acusatória. Também, não se pode cogitar da possibilidade de sequestro, uma vez que não houve pedido de resgate. Consta da denúncia que João Morato, ex-marido da desaparecida, nunca se conformou com a separação conjugal, tendo praticado agressões e ameaças contra Cláudia, sendo que uma delas é objeto de processo que tramita no Juizado da Violência Doméstica. Testemunhas ouvidas na fase policial confirmam tais fatos.

É certo que o comportamento agressivo do denunciado João Morato com relação à Cláudia constitui elemento indiciário da autoria de um delito de homicídio. Entretanto, tal indício teria de ser ratificado ou complementado por indícios de autoria dos delitos de homicídio e ocultação de cadáver que lhe foram imputados na inicial acusatória.

Observe-se que, na noite do desaparecimento de Cláudia, conforme apurado pela autoridade policial João Morato estava em seu apartamento, depois de ter levado para casa o seu filho, João Félix, por volta das 21h45min, antes, portanto, de Cláudia ter retornado da residência de Eliza. Desta forma, entendo inexistirem indícios de autoria dos delitos de homicídio e ocultação de cadáver por parte do denunciado João Morato Fernandes. De igual modo, não vislumbro elementos suficientes para receber a denúncia com relação a João Félix. Apurou-se, tão somente, que ele estava em casa quando sua mãe chegou. A presença de João Félix na residência, sem outros elementos indiciários da autoria dos delitos de homicídio e ocultação de cadáver, não basta para ensejar o recebimento da peça acusatória. Quanto à reação de indiferença de João Félix em relação ao desaparecimento de sua mãe, tal comportamento pode revelar insensibilidade e falta de afeto, mas não é suficiente para caracterizar indício de autoria dos delitos.

Além disso, não se tem notícia de desavenças ou episódios de violência entre mãe e filho. Ressalte-se que, desde a separação do casal, João Félix sempre morou em companhia de Cláudia, apesar de sua profunda ligação com o pai.

Quanto à materialidade do fato, verifica-se que, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, é indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, nas infrações que deixarem vestígios. Trata-se de condição de procedibilidade, cuja ausência impede o próprio recebimento da denúncia. O artigo 564, inciso III, alínea ¿b¿, do referido diploma legal, prevê a nulidade do processo em virtude da falta do exame de corpo de delito. Por outro lado, a ausência da perícia somente pode ser suprida pela prova testemunhal, quando desaparecidos os vestígios, conforme estabelece o artigo 167 do Código de Processo Penal. A respeito do tema da materialidade dos delitos que deixam vestígios, a jusrisprudência: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO– TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO. ausência de materialidade. despronúncia. arts. 158 e 167 do CPP. 1. Recurso defensivo que postula a impronúncia ou absolvição do réu, sustentando ausência de materialidade e de indícios da autoria. Alternativamente, a desclassificação da imputação. 2. Situação em que supostamente a vitima teria sofrido lesões, com internações hospitalares. Caso típico de delito que deixa vestígios e que não foi comprovado através de exame de corpo de delito, mesmo indireto, o que é indispensável (CPP, art. 158), não podendo ser suprido por outras provas, por não se tratar de desaparecimento de vestígios. 3. Ausência de materialidade, que inviabiliza a submissão do acusado ao Tribunal Popular, nos termos do art. 414 do CPP. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70050080647, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Júlio César Finger, Julgado em 03/10/2012) recurso em sentido estrito. homicídio. pronúncia. materialidade. falta de exame de corpo de delito. ausência do corpo dos ofendidos. insuficiência de provas, no caso concreto. despronúncia. 1. Nos crimes de homicídio, em se tratando de infração que deixa vestígios, a prova da materialidade depende do exame de corpo de delito direto ou indireto, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal. Possibilidade excepcional, no entanto, de prova pericial indireta (art. 158 do CPP) ou de suprimento da ausência de perícia pela prova testemunhal, quando desaparecidos os vestígios (art. 167 do CPP). Precedentes dos Tribunais Superiores. 2. No caso, os indícios do possível envolvimento do recorrente no desaparecimento dos ofendidos decorrem unicamente da venda de bens e objetos das vítimas, realizada por ele a terceira pessoa. Ausência de quaisquer vestígios da morte das vítimas. Provas periciais realizadas na propriedade dos desaparecidos e nos veículos utilizados pelo recorrente, sem nenhum resultado que permita afirmar a morte dos ofendidos. ¿Confissão informal¿ referida pelos policiais que não encontra nenhum amparo nos autos e não pode sobrepor-se à negativa formal do acusado em todas as oportunidades em que foi interrogado. Insuficiência de provas da materialidade do fato que impõe a impronúncia do recorrente.

RECURSO PROVIDO EM PART-. (Recurso em Sentido Estrito nº 70050984400, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 23/05/2013). Veja-se, ainda, a lição doutrinária de Guilherme de Souza Nucci (¿Código de Processo Penal Comentado¿, 8ª ed., pág. 364/365, 377/378, ed. RT, 2007): ¿Diferença entre exame de corpo de delito e corpo de delito: (¿). No artigo em comento exige-se, para infração que deixa vestígios, a realização do exame de corpo de delito, direto ou indireto, isto é, a emissão de um laudo pericial atestando a materialidade do delito. Este laudo pode ser produzido de maneira direta ¿ pela verificação pessoal do perito ¿ ou de modo indireto ¿ quando o profissional se serve de outros meios de provas. (¿). O exame de corpo de delito é sempre produzido por peritos, de maneira direta ou indireta, como já abordado. O corpo de delito, no entanto, pode resultar de forma direta ou indireta. (¿). Quando o cadáver se perde, contando-se com a mera narrativa de leigos que, de longe viram o réu desferindo tiros na vítima, por exemplo, caindo o corpo no mar e perdendo-se, há a prova indireta da ocorrência da morte. É o corpo de delito indireto (¿). Confissão e corpo de delito: a lei é clara ao mencionar que a confissão do réu não pode suprir o exame de corpo de delito, direto ou indireto. A única fórmula legal válida para preencher sua falta é a colheita de depoimento de testemunhas, nos termos do art. 167 (¿). Como já se mencionou, trata-se de um tema desenvolvido com especial cuidado pelo legislador, tendo em vista as inúmeras razões que podem conduzir uma pessoa a confessar falsa ou erroneamente, colocando em grave risco a segurança exigida pelo processo penal. Assim, se o cadáver, no caso de homicídio, desapareceu, ainda que o réu confesse ter matado a vítima, não havendo exame de corpo de delito, nem tampouco prova testemunhal, não se pode punir o autor. A confissão isolada não prestada para comprovar a existência das infrações que deixam vestígios materiais. (…)¿ Assim, nem mesmo a confissão do acusado supre a falta do exame de corpo de delito, direto ou indireto.

De outra parte, o inquérito policial não foi concluído e as investigações prosseguem, objetivando o esclarecimento dos fatos. Cumpre salientar que, embora prescindível o inquérito policial para o oferecimento da denúncia, a falta de indiciamento pela autoridade policial constitui aspecto relevante a demonstrar a inexistência de indícios de materialidade e autoria dos delitos imputados a João Morato Fernandes e João Félix Hartleben Fernandes. Pelo exposto, por ausentes indícios de autoria e materialidade dos ilícitos penais (homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver) imputados aos denunciados, REJEITO a denúncia, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Desapensem-se os procedimentos investigatórios. Intimem-se. Diligências legais.

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