SETE AO ENTARDECER : O avesso da Babilônia no Passo do Salso
Segunda às 18h30min na Fábrica Cultural – Félix 952 -, Edu “Caboclo” Damatta apresentará “Babilônia… lado B”
Por Carlos Cogoy
Sete ao Entardecer do Theatro Sete de Abril, como tributo ao artista e ativista cultural Edu “Caboclo” Damatta. Há três décadas, ele empenha-se pela criação de sonoridade original e questionadora. Além da música, produção de documentários e inúmeros eventos culturais. Para o show “Babilônia… lado B”, parte do repertório será com músicas que integram a sua participação no disco recente “Bandito Dios”. Outra metade do show será com músicas dos discos inéditos “República do Salcedo” – referência à estrada do Passo do Salso, onde Caboclo está residindo -, e “Bodhisattva blue’s”, inspirado no livro “Os vagabundos iluminados” de Jack Kerouac (1922/1969). Na segunda apresentação no projeto ao “entardecer” da administração municipal, Caboclo será acompanhado por Davi Batuka (bateria e percussão), Dian (baixo elétrico), e Alex Vaz (guitarra e teclados). Convidados especiais: DJ Franco; Lucia Rosselli; Lys Márcia Ferreira; Serginho D’Vassoura Ferret; Fronha; Rui Madruga; Fabrício “Pardal” Moura; Daniel Zanotelli; Marcela Mescalina. Na Fábrica Cultural, Félix – entre Argolo e avenida Bento -, poderá ser adquirido o disco “Bandito Dios”, coletânea produzida pelo ponto de cultura “Outro Sul”. O Sete ao Entardecer tem ENTRADA FRANCA.
SUCESSO – Carlos Eduardo Mattos da Cunha é natural do Rio de Janeiro, mas foi criado em Arroio Grande. Ele observa sobre a opção artística avessa à mediocridade musical: “Gosto do momento que estou vivenciando, pois tenho a impressão que minha música e poesia, bem como a minha postura têm agradado a uma rapaziada que também me agrada. E sigo me renovando com os jovens, pois acredito que um ser humano só envelhece de verdade, quando perde a capacidade e o interesse em aprender coisas novas. São perspectivas que te mostram outras possibilidades. Então, favorecendo o entendimento acerca das verdades de cada um. Já em relação à repercussão, o mais próximo que eu tive de estar inserido dentro do mercado musical, foi nos anos oitenta quando participei de festivais nativistas, sempre no gênero da música latino americana. Nos demais nunca me interessei. Faço o que eu gosto, nunca consegui cumprir um outro papel. Gosto dessa independência que hoje temos com a internet, mas isso não é tudo pois, na carona do recurso tecnológico, a mediocridade encontra muito espaço para seguir alimentando os podres poderes”.
MÚSICA – Influências e origens da sua musicalidade: “Comecei com a música aos dezesseis anos no Rio de Janeiro. Mas minha formação musical foi nos cabarés do Arroio Grande. A partir dos dezessete anos, passei a escutar os músicos que tocavam naqueles ambientes. E foi quando conheci Candeia, Cartola, Garlos Gardel, Gildo de Freitas, entre tangos, milongas, sambas e boleros. Minha principal inspiração foram os Rolling Stones, Bob Dylan, Sérgio Sampaio, Secos e Molhados, enfim, a música do anos setenta. Já nos anos oitenta conheci o músico arroio-grandense Basílio Conceição. Ele que me apresentou a música latino-americana de Violeta Parra, Vitor Jara, Noel Guarany, Cenair Maicá, Jaime Caetano Braun e outros milongueiros”.
BANDO DE SANDINO – Na década de oitenta, Caboclo esteve à frente do criativo “Bando de Sandino”, que gravou o vinil “Gibi”. Ele recorda: “O Bando de Sandino foi uma utopia minha aos meus 26 anos, inspirado na trilogia ‘Memórias do Fogo’ do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Mas o nome é uma referência a uma canção de Daniel Viglietti e também ao disco ‘Sandinista’ da banda ‘The Clash’. Os integrantes originais foram: Eduardo Mattos (vocal, violões, flautas e harmônica), Toni Macarthy (bateria), Negrinho Martins (gaita ponto e violão), André Lufema (guitarra), Amarelo Borges (baixo e violino), Javier Mendes (teclados) e Pedro Diaz (charango, quatro e violões)”.
EUROPA – Na década de noventa, temporada na Europa. Ele explica: “Minha saída do Brasil foi depois da eleição do Collor. Estava decepcionado com toda a situação que envolvia o País, e não conseguia vislumbrar perspectivas de trabalho. Então decidi conhecer o mundo e minhas raízes ibéricas. Queria conhecer mais sobre o flamenco, o fado e a música do norte da África, mais precisamente no Marrocos, onde também tive um tempo. Mas o que mais me marcou musicalmente nessa experiência foi a cidade de Granada na Espanha, pois vivia nas cavernas, num bairro chamado Albaicin, onde aprendi alguma coisa sobre a música cigana. Nesse período, recuperei meu interesse pela arte. Na Espanha fui músico de rua. Quando fui morar em Barcelona conheci a música celta. Também a música zíngara do leste europeu que, assim como o flamenco, está muito presente em minha formação musical autodidata. Vivia naquilo que chamavam de ‘quarto mundo’, que é o universo que engloba o proletariado europeu e o mundo dos imigrantes legais e ilegais, como era o meu caso. Alternava o mundo da música, com a vida de trabalhador braçal, como servente de pedreiro, estivador e colhendo frutas na orla do Mediterrâneo. Por lá conheci o mundo muçulmano dos marroquinos e argelinas que também trabalhavam nas colheitas”.
RETORNO – Caboclo aborda sobre a volta: “Um dia meus irmãos enviaram fotos da família. Observei que haviam passado nove anos. Até aquele momento eu não tinha me dado conta do tempo que havia passado. Senti que era hora de voltar para a América do Sul. Quando cheguei aqui foi muito interessante o cenário que encontrei. E devo muito ao pessoal do movimento Hip Hop: Jair Brown, Dino Efex, Nêgo Mica, Nêgo Anjo, DJ PC, banda Doidivanas, banda Freak Brotherz, banda Psicosaycannigia, Jucá de León. Foram eles que me apresentaram ao novo Brasil que eu desconhecia”.
DISCOS de Caboclo no exterior: “Phodasi” e “Boca de Fumo” – em português; “Chilan”; “Retratos de um foto matón”; “Bichos malos” – em espanhol; “Carretera hacia La luna” – gravado no Marrocos. Após retornar ao Brasil: “Mocotó de cabeça”; “Carnaval na Babilônia”; “Fruteira Brian Jones”. Em “Bodhisattva Blue’s” que está preparando, releituras de Bob Dylan, Lou Reed, Rolling Stones, Tom Waits, Sinatra. Outro projeto é “Cabezadhi Nêgo”, aprovado no Procultura. Trata-se de homenagem ao griô mestre Baptista. Ao lado de Betinho Mereb no ponto de cultura Outro Sul, produção dos discos de artistas como Marco Gottinari, Solon, Dija, Krause e Dudu Freda. Com o Kico Xavier, Caboclo participou das seis edições da revista Gente Boa. Em Arroio Grande, cronista no Jornal Meridional. Os textos poderão virar livro. Entre as produções, esteve à frente do Pedrostock (2001) em Pedro Osório, Acampamento do Fórum Social Mundial na Z3 em 2005. Ano seguinte, o Festival da Marambaia.
POLÍTICA – Ele conclui: “Quanto à minha forma de compor e me expressar artisticamente, a mistura de influências já é algo natural, reflexo daquilo que realmente penso e sinto, sem segundas intenções mercadológicas pra agradar o sistema, pois me nego a contribuir com aqueles que compactuam com a destruição do planeta. Politicamente falando é tudo tão deprimente. Mas minha decepção com a esquerda, me libertou da expectativa de viver num mundo melhor, através da atuação de partidos A,B,C,D etc. Na verdade é apenas um monte de siglas, que ainda repetem o mesmo modelo romano de dominação de massas, um sistema escravagista, destruidor da mente e da alma, ou pelo menos do que ainda de bom resta da raça humana. Sempre fui um existencialista, com formação de esquerda, inspirado em ícones socialistas. Mas hoje em dia não consigo diferenciar uma imagem do Che Guevara e o logotipo da Coca Cola ou do McDonalds”.