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Sobre a terapia de reversão sexual ou “cura gay”, algumas considerações

Sobre a terapia de reversão sexual ou “cura gay”, algumas considerações
18 outubro
18:50 2018

Em tempos de barbaridades que se escuta por aí do senso comum acerca da sexualidade e da psicologia, é preciso esclarecer algumas coisas

Thaise FariasPor Thaise Farias, Psicóloga

Em primeiro lugar, é mister que se esclareça que a reversão sexual ou terapia de reorientação sexual, ou ainda “cura gay”, não tem respaldo científico. O consenso nas ciências de saúde é que ela causa danos psicológicos.

A ideia no Brasil veio de um grupo de psicólogos que confunde o exercício dos seus papeis, misturando a prática de psicólogo, que é científica, com suas filosofias religiosas e entabulando algo que denominaram “psicologia cristã”. Vamos esclarecer uma coisa: psicologia é ciência e cristianismo é filosofia e pode ser o alicerce de uma crença religiosa. Mas não é psicologia. São saberes distintos.

Esses psicólogos partem do pressuposto de que a homossexualidade, a qual chamam equivocadamente de homossexualismo, é uma doença, quando as evidências científicas mais recentes apontam que ela é apenas uma variação normal da orientação sexual humana. Assim, a homossexualidade não é doença nem para a psicologia nem para a medicina. Não há nada de patológico na homossexualidade enquanto comportamento ou sentimento (e frise-se: ela é bem mais que isso).

Aliás, para quem tem dúvidas acerca de como o psicólogo trabalha a sexualidade e como seria uma intervenção adequada num caso de um homossexual que procure um psicólogo para “virar” heterossexual ou de qualquer pessoa com problemas de sexualidade, eu farei uma breve e sucinta explicação, a qual, certamente, não dará conta de tudo porque cada caso tem as suas particularidades, mas tentarei trazer um panorama geral.

As identidades sexuais subjetivas não são definidas pelos psicólogos. O psicólogo, na sua prática, não sai por aí dizendo “tu és homossexual, tu és heterossexual, tu é bissexual…”. O que se faz é oferecer ferramentas de autoconhecimento para que as pessoas, por si, definam o que são. As nomenclaturas científicas das identidades sexuais, as quais são definidas por estudiosos do tema das diversas áreas do conhecimento científico, são importantes na medida em que elas ajudam os sujeitos, a partir da nomeação, a se autodefinirem e estabelecerem como vão viver, como vão se relacionar etc. Enfim, colaboram para que as pessoas se movimentem socialmente, inclusive no que refere à luta por direitos. As nomeações também amparam as pessoas na construção de uma identidade enquanto sujeitos no mundo. Nesse sentido, para nós psicólogos o que importa não é enquadrar o sujeito, mas ajudá-lo a achar sentido, significado, para as suas experiências de vida.

Para a psicologia, a sexualidade é polimorfa: isso significa que ela tem muitas formas. Sexualidade não é apenas GENITALIDADE e SEXO enquanto prática do coito; ela envolve uma forma de ver a si mesmo, de se relacionar com os outros, de se ver dentro de uma coletividade e de ser visto. Envolve papéis, poder e tudo aquilo que diz respeito ao ser humano, podendo ser experimentada e expressada das mais variadas formas.

Para corroborar o exposto, convido que prestem atenção a si mesmos: não fazemos sexo apenas com fins reprodutivos. Até porque sabemos que podemos nos reproduzir sem ter uma relação sexual e que os seres humanos fazem sexo com outros objetivos, como por prazer, por afeto. Desse modo, qualquer parte do corpo de alguém pode ser para o sexo: a boca, a pele, os genitais, o ânus, o pé, a mão… A pele, por exemplo, é um órgão cheio de terminações nervosas. Quando tocada, pode provocar sensações agradáveis. As mucosas também (e por isso a gente se beija e sente prazer). Não é a vagina ou pênis ou ânus que faz sexo, mas todo o nosso corpo. Aliás, mais que o corpo: todo o nosso ser, incluindo aí o nosso corpo e o nosso psiquismo.

Desse modo, a homossexualidade não é algo que se encerre na prática de sexo anal ou atração por pessoas do mesmo sexo. Também não é uma doença, mas uma forma de SER no mundo que refere a muitos aspectos do sujeito, para além do sexo enquanto prática de coito ou vontade de “ficar” com alguém do mesmo sexo.

O comportamento sexual inadequado, para Psicologia, é aquele que traz prejuízos para os envolvidos na relação (a qual é mais que a prática de sexo em si, também envolvendo questões afetivas, maturidade, autonomia, não exploração, não manipulação). Desse modo, a homossexualidade não é inadequada, bem como não são inadequadas as práticas culturalmente associadas à ela.

Por fim, reitero, não há, cientificamente falando, respaldo para a terapia de reversão sexual, ou “Cura Gay”. Aliás, para a Psicologia, nós não somos isso ou aquilo em definitivo quando o tema é sexualidade, mas estamos isso ou aquilo, porque ela é algo que se constrói durante toda a vida. Para nós, enquanto psicólogos, o saudável é ser feliz consigo mesmo, respeitando o próximo.

Portanto, sentir atração por alguém do mesmo sexo não é algo que precise especificamente de cura. Mas, claro, se isso de per si causa algum incômodo ao sujeito, este sempre poderá procurar ajuda para se conhecer melhor.

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