VELHO BENTO FREITAS – Andrea e a dor de uma saudade
Num tempo de expectativa e entusiasmo quanto ao surgimento do novo estádio do Brasil, há quem gostaria que a tradição tivesse sido preservada. Ao invés de um novo Bento Freitas, que o velho “Caldeirão da Baixada” tivesse sido recuperado, mantendo sua arquitetura tradicional. Para o ex-presidente Cláudio de Andrea, 76 anos, houve uma precipitação. O principal líder do histórico mutirão dos Anos 70, que viabilizou a ampliação do estádio, sente agora a dor da saudade.
Andrea tratava com uma empresa a contratação do serviço para a recuperação da arquibancada geral do Bento Freitas, quando foi surpreendido com a decisão da Comissão de Obras de demolir essa parte do estádio. “Não tenho nada contra esses guris da (Associação) Cresce Xavante! Eles são o futuro do Brasil. O André Araújo é como um filho para mim e tenho muito respeito pelos demais. Mas houve uma precipitação”, afirma. Andrea é, inclusive, presidente de honra da Comissão de Obras.
Para ele, abertura num degrau da arquibancada do Placar Eletrônico no jogo diante do Flamengo – dia 23 de fevereiro do ano passado – foi um acidente por causa de uma obra (um banheiro) na parte debaixo da arquibancada. Isso causou a interdição do estádio. Em seguida, houve a demolição da arquibancada geral, que deu lugar a arquibancada móvel. “É verdade que o estado da parte inferior da arquibancada não era bom, mas nunca houve um plano de sustentabilidade”, alega.
RECUPERAÇÃO – Em abril, Cláudio de Andrea começou negociação com a empresa Elveco, de Porto Alegre – em atividade desde 1991 -, especializada em recuperação de prédios, pontes e estruturas. Na primeira reunião, a Comissão de Obras apresentou a planta baixa do estádio e o orçamento assustou: R$ 1,5 milhão. “Depois, eu conversei com a direção da empresa e disse que o precisávamos era recuperar os 110 metros da arquibancada (geral) para a Série C do Brasileiro. Marquei uma nova visita do responsável da empresa a Pelotas”, conta Andrea.
Na segunda visita ocorreu a discussão sobre a recuperação da arquibancada, com reforço na estrutura. Horas antes da reunião que iria fechar a contratação do serviço, Andrea diz que foi surpreendido com a informação de uma entrevista de Thiago Perceu, presidente da Comissão de Obras, dizendo que as máquinas estavam chegando à cidade para demolir a arquibancada. “Uma decisão sem ouvir o Conselho (Deliberativo) do clube”, lamenta. “Só pude revelar meu constrangimento ao diretor da Elveco, que estava em Pelotas.”
Liderança do mutirão histórico de 1977
Um dos momentos mais marcantes de mobilização da torcida do Brasil ocorreu em 1977 para ampliar a capacidade do Bento Freitas. Foi um verdadeiro mutirão para que em poucos meses, o estádio estivesse em condições de permitir que o Brasil participasse pela primeira vez em sua história do Campeonato Brasileiro – edição de 1978.
Cláudio de Andrea lembra como tudo começou. “O Heleno Nunes (presidente da CBF) resolveu aumentar o número de participantes do Brasileiro, mas exigia estádio para 25 mil pessoas. Ele veio a Pelotas, visitou o Bento Freitas. O Pelotas e o Farroupilha levaram plantas e nós mostramos nosso estádio, que estava em obras.”
A possibilidade de ter um clube pelotense no Brasileiro mobilizou as forças políticas da cidade. O então prefeito Irajá Rodrigues apresentou uma proposta polêmica: o Pelotas cederia suas arquibancadas de estruturas metálicas para ampliar a capacidade do Bento Freitas. E mais: haveria uma fusão do departamento de futebol dos dois clubes. Imagine só a reação dos torcedores?
Como a vaga pertencia à Federação Gaúcha de Futebol (FGF), o então presidente Rubens Hoffmeister, decidiu a questão: o Brasileiro de 1977 teria a participação da Dupla Ca-Ju. Já a vaga destinada a Pelotas seria preenchida no ano seguinte pelo time vencedor do um torneio seletivo – melhor de quatro pontos. Mas quem ganhasse teria que ampliar o estádio.
O Brasil ganhou a vaga no campo e mobilizou a torcida para aumentar o estádio. Mas o episódio – lembra Cláudio de Andrea, presidente do Brasil em 1977 – teve desdobramentos polêmicos. “Como não aceitamos a proposta do Irajá, ele mandou os vereadores da base do governo desandar o pau na direção do Brasil, nos chamando de incompetentes. Foi quando eu disse que o prefeito tinha era que ‘tapar buracos”, diverte-se o ex-dirigente.
ETAPA ANTERIOR – A arquibancada – demolida recentemente (placar eletrônico) – teve também em sua construção a participação efetiva de Cláudio de Andrea. Foi em 1975, quando o Brasil retornava do recesso (desativação de departamento profissional por dois anos). Andrea e Marino Louzada (presidente do clube em 1983) receberam do então presidente Breno Nunes a missão de levantar a arquibancada. No final da obra, uma curiosidade: “Fizemos uma arquibancada de 18 degraus, que fechou direitinho com a outra (geral), que tinha 20 degraus. Coisas do Brasil!”.
SELETIVO DE 77 – Brasil no mapa do futebol nacional
Imagine três clássicos Bra-Pel decidindo a primeira participação de um time pelotense em Campeonato Brasileiro. A isso se soma discussão de um pênalti marcado num lance em que a bola já teria ultrapassado a linha. Episódio ocorrido aos 43 minutos do segundo tempo da terceira partida. Por tudo isso, o Torneio Seletivo é tão lembrado até hoje.
“Para mim esse Bra-Pel é o mais importante da história do Brasil, porque colocou o Brasil no mapa do futebol brasileiro, culminando com o quarto lugar em 1985”, diz Cláudio de Andrea.
No primeiro clássico no Bento Freitas, o Pelotas ganhou por 1 a 0 – gol de Flávio Correa, aos 44 minutos do segundo tempo. No segundo, na Boca do Lobo, o Brasil deu o troco: venceu por 1 a 0 – gol de Mickey. No terceiro, o Xavante faz 1 a 0 com Tadeu Vieira, que entrou em campo para substituir Luís Fernando (atingido por Darci Munique). No final do jogo, Torino, ex-Brasil, desperdiçou o pênalti polêmico em favor do Pelotas. Festa xavante!