Viana esclarece projeto de resolução visando à regulamentação das audiências públicas
Sob censuras de ser antidemocrático e autoritário, tramita na Câmara Municipal de Pelotas, projeto de resolução de iniciativa de sua Presidência visando à regulamentação das audiências públicas no âmbito do Legislativo Pelotense.
Presente na audiência pública proposta pelo vereador Marcus Cunha (PDT), o presidente Luiz Henrique Viana (PSDB), declarou que o projeto foi protocolado justamente com o objetivo de discutir o regramento e que pode sofrer emendas. “É preciso debater e discutir o projeto com objetivo de aperfeiçoar, para que possamos dar oportunidade a todos, para que ninguém seja dono de audiência pública” declarou.
Da observação de como vêm ocorrendo o que se intitulam genericamente de audiências públicas em nossa Câmara, denota-se desde a ocorrência daquelas beirando, pelo seu conteúdo, a autenticidade do que realmente significam tais reuniões, isto é, as que têm como objetivo discussões propositivas, com a participação de parcelas da sociedade civil, dentro da competência do Poder Legislativo do Município, cujo resultado inscreve-se no que a Câmara e o Executivo podem realmente realizar, em termos de conhecimento e inovação de políticas públicas, até reuniões em que se debatem assuntos genéricos, naturalmente sempre de grande interesse para a comunidade ou pelo menos daquelas pessoas mais interessadas ou ligadas aos assuntos discutidos, mas que muito se afastam do âmbito decisório de um legislativo ao nível municipal. Por exemplo, temas como o problema da maioridade penal, a legalização dos jogos de azar, ou ainda sobre o uso de certas drogas, hoje tidas como medicinais, etc. Não se nega, evidentemente, que o recinto da Câmara se preste a reuniões da natureza aqui descrita em segundo lugar, cuja discussão é útil, no sentido de uma maior informação e conscientização, tanto por parte dos edis, como da população em geral, especialmente por entidades da sociedade civil e experts das mais distintas áreas do conhecimento.
O projeto ora proposto de regulamentação não se propõe a proibir tais reuniões, abertas à iniciativa individual de qualquer vereador, e a que podemos intitular de palestras, seminários, painéis, conferências, eis que o recinto da Câmara, especialmente o seu plenário, deve estar sempre à disposição de todos, e, principalmente da comunidade, quando não estiver sendo utilizado para as funções próprias do Legislativo. Afinal, trata-se da Casa do Povo.
Contudo, em relação à ideia, ao significado legal e político de “Audiência Pública”, a situação mostra-se diferente. Mas, afinal, o que vêm a ser as ditas audiências públicas?
Introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro, pela Constituição Federal de 1988, constituem-se em um dos importantes instrumentos de democracia direta, na medida em que se oportuniza a manifestação da sociedade civil, por suas organizações, ou individualmente pelos cidadãos, influindo diretamente sobre as instituições do Poder Legislativo e os representantes que o integram, nos três níveis da Federação: União, Estados e Municípios.
Portanto, as audiências públicas acham-se, em primeiro lugar, disciplinadas na constituição federal (Título IV, Capítulo I, Do Poder Legislativo; seção VII – Do Poder Legislativo; art.58, parágrafo 2º, inciso II que atribui às comissões do Legislativo a competência para realizar audiências públicas com entidades da Sociedade Civil.
No caso do Rio Grande do Sul, a matéria é regulada pela Constituição Estadual através da norma do artigo 56, parágrafo 2º, inciso I, tudo no âmbito da atividade das comissões permanentes e temporárias da Assembléia Legislativa.
Finalmente, a lei Orgânica do Município de Pelotas, em consonância (p. da simetria) com as disposições constitucionais federal e constitucional, em seus artigos 74 e 75, regulamentados pelo Regimento Interno de sua Câmara Legislativa prevê a competência das Comissões Permanentes para a realização de audiências públicas – artigo 59, inciso I, e das Comissões Temáticas – art. 96, inciso II, assegurando como seu escopo central a participação popular nesses eventos, como a sua própria razão de ser.
As normas atinentes à matéria não elencam objetivos específicos a serem tratados nas audiências públicas. No entanto, resta incontroverso que a participação de entidades da sociedade civil, assim como de experts especialmente convidados, segundo o assunto a ser tratado, e também dos cidadãos em geral, objetiva sempre colher elementos que instruam esclareçam ou deflagrem matéria a ser objeto de apreciação pelos integrantes do Poder Legislativo. Abrem-se, assim, pela intervenção direta da sociedade civil, novos caminhos, novos pontos de vista, quer consensuais, quer dissonantes, acerca de assuntos de interesse público relevante, municiando os representantes do povo, na sua tarefa de legislar em prol do interesse público.
A instituição das audiências públicas é um forte instrumento a aproximar as aspirações dos eleitores pela sua manifestação direta, perante os seus representantes eleitos. O instituto é observado e adotado não só no Legislativo como também no Judiciário, no sentido da busca de decisões que atendam de forma mais efetiva e eficiente o interesse público. Como exemplos, no Poder Judiciário, podem-se referir as audiências públicas envolvendo a questão territorial do Estado de Roraima, “Raposa Terra do Sol”, e a discussão sobre a pesquisa de células tronco. Os debates então realizados tiveram como consequência importantes posicionamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal.
Do ponto de vista normativo, no âmbito das casas legislativas, é notório e recorrente que o locus das Audiências Públicas devem ser as comissões em que se dividem os parlamentos. A atividade deve ter em conta diretamente, sempre, as decisões dos parlamentos que se consubstanciam na concretização de suas proposições. Por outro lado, as audiências públicas não têm o sentido e nem podem transformar-se em mero encontro diletante de troca de opiniões, sem um escopo determinado, qual seja, a formulação de proposições, seja no sentido legislativo, seja no de fiscalização de outros órgãos públicos. Trata-se sempre de uma atividade coletiva, processando-se no âmbito das comissões. No caso da Câmara Municipal de Pelotas, admissível nas comissões permanentes e nas comissões temáticas. Sua proposição pode ser de iniciativa de um vereador ou de grupo de vereadores, ou mesmo do conjunto de uma Comissão. Mas uma vez admitida, deixa de ser ação individual deste ou daquele, e torna-se ação do Poder Legislativo Municipal realizada pelo órgão coletivo da comissão que a abrigar. Daí, a necessidade de sua normatização, em que sejam previstos os processos de discussão, assegurando-se a participação democrática, mas culminando a discussão, em proposições concretas que possam instruir as deliberações dos representantes, no caso, dos senhores vereadores.
Não se pode classificar, sem mais aquela, a presente proposta de Resolução, de autoritária. Não se trata de uma imposição. A Presidência da Casa está aberta a toda e qualquer sugestão que venha aperfeiçoar a proposta, bem como à ampla discussão, sempre consultando aos princípios da legalidade, da impessoalidade, do interesse público e da democracia, afastando-se esse mecanismo de altíssima importância democrática de qualquer vínculo e identidade pessoal, efetivando-se as audiências como verdadeiros instrumentos republicanos de democracia direta, com finalidade, como já se disse, de formular proposições que visem à inovação e à tomada de decisões racionais, em prol tão somente do interesse público.
(Assessoria)