Hospital Universitário dribla a crise e mantém atendimento
O cenário da saúde pública no Brasil não é positivo. Repasses atrasados, procedimentos suspensos e pacientes afetados compõem a conjuntura atual, comum Brasil a fora. Ultrapassar essas barreiras e manter em funcionamento uma instituição de saúde de referência regional é um desafio ímpar, mas que pode ser superado, como prova o Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP).
O maior laboratório de ensino da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) tem conseguido driblar as adversidades financeiras e manter o atendimento à população, sem suspensão de qualquer serviço. A fórmula não é simples, como explicam os diretores de Assistência e de Gestão do hospital, Edevar Machado Júnior e Maurício Karini, respectivamente. Com o atraso de repasses nos últimos dois anos e meio, especialmente do Estado e da União, o HUSFP aguarda o recebimento de R$ 4,7 milhões. “Vários fatores no processo de gestão minimizaram essa perda, causada pelo cenário político extremamente desfavorável de 2013 para cá, com o descumprimento de convênios firmados”, explica Edevar, ao destacar ações pontuais, como a diminuição do impacto causado pela participação financeira no Pronto Socorro de Pelotas e as negociações conjuntas com o gestor municipal que viabilizaram, mais recentemente, o pagamento de valores pelo governo estadual.
“A crise é de todos. Se fôssemos pensar apenas na questão financeira, teríamos que fechar algum serviço, diminuir despesa, porque hoje o hospital não se paga. Fazemos uma ginástica de gestão para manter todos os serviços funcionando”, completou Karini. Segundo ele, o trabalho em desenvolvimento hoje visa equacionar melhor a distribuição dos atendimentos entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a área de convênios e particulares: “Nosso trabalho está focado em uma equação 60/40. Hoje somos 80% SUS. Não significa que a gente vá baixar a régua a 60%, mas ela precisa ficar num patamar em que seja possível manter a oferta de serviços mais rentáveis”.
Não é difícil compreender esse argumento se analisada a realidade evolutiva na prestação de serviços, comparando o SUS com outras áreas. Enquanto a energia elétrica teve uma variação de 554% desde a implantação do Plano Real (junho de 1994) até dezembro de 2013, a Tabela SUS – que regula os pagamentos feitos pelos governos – teve um reajuste de apenas 73% no mesmo período, por exemplo.
E a participação do HUSFP na assistência pública de saúde é expressiva. Dos 257 leitos da unidade, 200 são destinados ao SUS. Isso faz a instituição responder por 60% do atendimento ambulatorial da cidade e por 45% dos atendimentos na esfera hospitalar. “Se o HUSFP deixasse de existir hoje, a saúde regional entraria em colapso. Assistencialmente, ele é a pilastra fundamental, o sustentáculo da assistência ao SUS”, frisa Edevar.
FUTURO À VISTA, PRESENTE GARANTIDO
Enquanto identifica e implanta estratégias capazes de manter o funcionamento do hospital a pleno, a direção executiva do HUSFP também mira projetos capazes de auxiliar na busca por um fluxo de caixa sadio. Entre as iniciativas previstas estão a abertura de um núcleo de cirurgia cardiovascular, junto a um serviço de hemodinâmica, que poderia executar procedimentos como cateterismo cardíaco, por exemplo. Com isso o hospital, que aguarda apenas o credenciamento, poderia preencher uma lacuna na Zona Sul, carente de um grande centro de referência em dor torácica, apto a evitar e reduzir o desenvolvimento de morbidades cardíacas.
O HUSFP também está prestes a abrir um Pronto Atendimento Privado, em área na frente do hospital. A previsão é de que no máximo em dois meses a oferta seja iniciada. A instituição ainda adquiriu um tomógrafo novo, reforçando a área de diagnóstico por imagem e também está estruturando um serviço de oncologia.
“Estamos focados na gestão, no planejamento estratégico, na retomada do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade e na revisão de processos. O planejamento nos permite ver o que queremos do futuro”, justifica o diretor de Gestão.
O foco em manter a qualidade de serviços importantes sob o aspecto assistencial também se mantém. A UTI neonatal do HUSFP é referência regional; a UTI Pediátrica, única na cidade; e as UTI’s adulto têm pessoal e parque eletrotécnico reconhecidos, por exemplo. O Centro de Referência em Nefrologia da instituição é outro exemplo de relevância, assim como a unidade materno-infantil, referência absoluta em alto risco para a macrorregião de Pelotas. O mesmo vale para a Neurocirurgia, área de alta complexidade que o HU possui, e o Bloco Cirúrgico, ambos importantes à retaguarda do Pronto Socorro de Pelotas.
Os ambulatórios do Campus da Saúde Doutor Franklin Olivé Leite e as três Unidades Básicas de Saúde (Fátima, União dos Bairros e Pestano) complementam a ampla oferta assistencial que o HUSFP disponibiliza à comunidade e à formação profissional. Afinal, todos os anos passam pelo São Francisco 600 acadêmicos de todos os cursos da área da Saúde.
HUMANIZAÇÃO FAZ A DIFERENÇA
“Prestar um atendimento de qualidade é essencial. O HUSFP vive para transformar a vida das pessoas. Todo o cuidado, desde a porta de entrada, passando pelo acolhimento, pelo técnico, pela limpeza, pelo médico, até a cura, é diferente aqui dentro. O HU é diferente. Existe uma humanização diferente”, define Karini.
A comerciária Gabriela Lemes Sedrez, de 27 anos, descobriu que a afirmação do diretor é verdade há pouco mais de um mês. Foi por causa do hospital que ela conseguiu evitar a separação das filhas gêmeas recém-nascidas, Maria Eduarda e Maria Antônia. O parto normal, naturalmente antecipado no sétimo mês da gestação, foi realizado em uma maternidade de outra instituição de Pelotas. Ainda que tenham vindo à luz com saúde, precisavam ganhar peso. Como não havia no local onde estavam estrutura capaz de atender essa necessidade, Maria Eduarda, com 1,745 quilo, e Maria Antônia, com 1,635 quilo, teriam de ficar separadas até que chegassem, pelo menos, aos dois quilos. Uma seria encaminhada para Bagé, a outra iria para Porto Alegre. “Fiquei desesperada. Como ia separar e cuidar delas?”, revela a mãe.
Graças à Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal do HUSFP, o drama da separação durou pouco. As gêmeas foram encaminhadas para a instituição, onde receberam atenção especial por três semanas. Ao chegar no peso desejado, puderam ficar ao lado da mãe. “Nunca pensei que fosse assim: estrutura boa, atendimento nota 10, funcionários atenciosos”, confessou Gabriela cinco semanas após o parto, horas antes de receber alta para curtir as gêmeas em casa, na companhia do marido e da filha de seis anos.
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE
O HUSFP encontra na comunidade um grande aliado. A participação de pessoas físicas ou jurídicas, seja através da doação de recurso, de insumos ou mesmo no desenvolvimento de iniciativas revertidas em benefício do hospital, auxiliam na manutenção e em investimentos importantes. Empresas que integram o projeto Amigos do Chico, o Grupo de Apoio do hospital, o Brechó da Pediatria, a ação Valor à Vida, as colaborações de entes públicos como Receita Federal, Tribunal Regional do Trabalho e de Promotorias, bem como a campanhas Troco Amigo, realizada pela rede de farmácias Panvel, preenchem lacunas do dia a dia da instituição.
Ainda assim, há espaço para ampliar a participação da comunidade. “O hospital não é meu, não é do Maurício, não é da Universidade, da Igreja, ele é da comunidade. Serve a todo mundo indistintamente, pobre ou rico. Com ou sem recurso, ele está aqui para atender a todo mundo. Não é uma peça facilmente substituível e não há alternativas viáveis. Por isso ele precisa de um olhar carinhoso e cuidadoso da comunidade”, reforça Edevar. Razão pela qual a direção executiva está estruturando um programa de incentivo, a fim de otimizar o apoio recebido de pessoas e empresários.
“Somos filantrópicos, temos uma relação com o meio acadêmico. Isso faz com que as pessoas pensem que o HU não precisa dar lucro, ter um resultado positivo, mas esquecem que medicina e saúde têm um custo crescente de forma exponencial. O tempo evolutivo da saúde é muito rápido. E com isso vem mais custo, o desafio aumenta. O hospital precisa ter saúde financeira para poder se manter, reinvestir, se reinventar. Ter sustentabilidade assistencial”, esclarece Edevar.