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sexta, 17 de maio de 2024

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Inicia a preparação coletiva para o Dia do Patrimônio

15 maio
16:39 2014

Nesta quarta-feira (14/5/2014) foi realizada, com sala cheia, a primeira atividade coletiva preparatória ao Dia do Patrimônio 2014. A partir de agora, todas as quartas-feiras, às 17h, o Casarão 6, da Praça Coronel Pedro Osório, receberá um convidado que conduzirá as conversas que constroem o tema desta edição em Pelotas – a “Herança Cultural Africana”.

Tema dessa edição será “Herança Cultural Africana”

Tema dessa edição será “Herança Cultural Africana”
Foto: Rafa Marin

A primeira conversa, sobre religiões de matriz africana, participação negra na tradição doceira, e famílias negras, teve como principal convidada a antropóloga Marília Floôr Kosby.

A vice-prefeita Paula Mascarenhas considera o tema escolhido “mais do que relevante na nossa história, pois contribui com a riqueza e diversidade cultural, e pode ser abordado por vários aspectos”. Ela diz que em 2013, primeira edição do Dia do Patrimônio, não teve um tema específico, mas chamou a atenção sobre o que é patrimônio, que vai além do material, e neste ano ficará ainda mais explícito ao abordar aspectos como religião, gastronomia e artes em geral. “A prefeitura é uma estimuladora, mas é um evento de toda a cidade, de todos os pelotenses. Quem quiser fazer apresentação, visitas, promover discussões terá espaço”, concluiu.

Para o secretário interino de Cultura Giorgio Ronna, as “conversas” estão entre as principais ações preparatórias do Dia do Patrimônio, que acontece em agosto, e contribuem para que a população se sinta parte da construção do evento e, principalmente, da temática.

Marília contou aos presentes das suas pesquisas, o contato especialmente sobre as religiões de matriz africana e a culinária. Os doces considerados “finos de Pelotas” podem ser encontrados nas oferendas aos orixás, em todo o país – como bem casados, quindins e doce de abóbora. Como os ingredientes de cada doce estão em constante mudança – caso isso não acontecesse provavelmente não seriam mais produzidos – não é possível dizer se a origem de cada um dos ingredientes é africana, mas a influência dos negros na culinária é incontestável. Não apenas na execução, mas na elaboração das receitas. E foi por essa relação que a tradição se manteve viva.

Até mesmo as religiões foram transformadas. Com sua exuberância. Muitas “nações” já utilizam materiais orgânicos nas oferendas para preservar o meio ambiente. Para a antropóloga a principal diferença entre as práticas religiosas em Pelotas e a Bahia, considerada um reduto das religiões de matriz africana, está no espaço. Lá, cada nação tem espaços físicos maiores, normalmente com mata e água. O que facilita a proteção ambiental.

 

Confira algumas trocas entre o público e Marília:

Sobre a possibilidade de o Dia do Patrimônio poder ajudar a população a conhecer uma parte da história pouco explorada: Ela considera fundamental. Já que quando se fala em população pelotense é também sobre a população negra pelotense, o que extrapola a cor da pele. Quando se pede para uma dessas pessoas falar publicamente, poucos se dispõe, por vergonha ou medo da discriminação.

 

Questão religiosa/ambiental: ela afirma que cada casa tem uma estrutura, mas as pessoas que conversou estão preocupadas com a questão ambiental, em não colocar garrafas e pratos no arroio, em usar materiais orgânicos. Um dos participantes argumentou que dificilmente quem cultua religiões de matriz africana agride o meio ambiente porque os orixás estão representados nela. Marília lembrou que é possível fazer oferendas sem ferir o meio ambiente. E a religião é um culto à doçura do corpo e da alma, da vida.

 

Racismo: em suas pesquisas uma entrevistada afirmou a Marília que “preconceito é problema de quem tem, não é nosso”. Hoje ela diz que gostaria de ouvir mais “sou pelotense e Pelotas é uma cidade negra” e “sou de terreira, filha de Iemanjá e tenho orgulho disso”. Para ela, atitudes como essa ajudam a mostrar a identidade da cidade e enfrentam o preconceito.

Religião e cor da pele: a antropóloga diz que a matriz geracional e transformacional africana existe, mas que seu valor está em ultrapassar a cor da pele. As terreiras não têm pretensão de se tornar universais, cada casa é um universo. Marília conta que certa vez uma mãe de santo a chamou para fazer uma palestra na escola em que ela trabalhava. Ela se surpreendeu e afirmou que ela própria faria muito melhor e a mãe de santo respondeu: “mas a mim chamariam de negra feiticeira”.

Relações de trabalho e cor da pele: “se perguntar sobre tempo da escravidão, eles não lembram, mas se falar sobre as condições de trabalho, vai ver que não são tão diferentes”. Ela afirma que muitos trabalharam, até a década de 80, apenas para comer.

Marília é antropóloga, mestre em ciências sociais, e doutoranda em antropologia social pela UFRGS. Atualmente atua como pesquisadora do grupo de estudos etnográficos urbanos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ela foi também professora colaboradora da disciplina antropologia das religiões afro-brasileiras, no curso de turismo da UFPel. É autora do livro “Os Baobás do Fim do Mundo – Trechos líricos de uma etnografia com religiões de matriz africana no sul do RS”, publicado em 2011. Além de ter participado de diversos outros trabalhos nas linhas de patrimônio cultural e etnografias afro-brasileiras, entre eles integrou a equipe de pesquisadores do Inventário Nacional de Referências Culturais – Região Doceira de Pelotas (Unesco, IPHAN, Secult Pelotas e UFPel).

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